2006-02-19 14:01:00

       
  

Esboços de uma teologia particular

Resolvi meu problema religioso.Não sendo completamente ateu nem
completamente religioso, concluí que o melhor para mim seria mesmo
fundar uma religião própria, uma Igreja de um só fiel que seria eu
mesmo.Como Borges já dizia que teologia é um ramo da literatura
fantástica, elaborei minha própria fantasia.

Não é capricho meu, acreditem , mas uma necessidade
vital, visto que não consigo de todo expurgar meus fantasmas de
influências religiosas de minha infância.Sério, até hoje não consigo
evitar um certo sentimento de culpa por não mais frequentar missas ao
Domingo e pior:não consigo evitar uma culpa maior ainda por ter
frequentado algumas missas no passado só para ficar de olho em umas
menininhas que povoavam meu imaginário , ahn, digamos assim,
‘’pagão’’.Todo isto somado ao meu sentimento de ignorância por
frequentar estas mesmas missas e haver um dia acreditado que Deus era um
velho barbudo que compartimentava padrões e comportamentos em escalas
>

Bem, vamos aos princípios de minha crença, ou melhor,
de minha teologia : chupada em grande parte de minhas influências
cristãs, construí minha religião de uma maneira mais ou menos similar ao
cristianismo, com algumas dissonâncias e discrepâncias da carolice
tradicional.Deus é amor, certo? Claro, mas há que se perceber o que
exatamente é o amor.Se houve uma criação do universo, então lógico que
está embutido aí todo um ato de amor, como o amor de uma criança ao
criar um brinquedo, um jogo particular.Mas este amor envolve tanto
doação quanto contemplação um tanto mórbida, como quando uma
criança bota uns soldadinhos para brigarem entre si.Deus teria criado
tudo ao seu bel prazer,e, numa jogada de mestre, teria dado suposta
liberdade aos seus ‘’criados’’ de fazerem o que bem entenderem,
inclusive se matarem.Neste negócio lúdico, a liberdade foi
tamanha que foi  criado inclusive o próprio alter ego
divino, o diabo(uma espécie de subconsciente ”sujo” de Deus, criado
por ele mesmo às gargalhadas), ou, mais esmiuçadamente, a ausência
divina, a ausência do amor, que é justamente a perda do sentimento de
complacência com o que nos envolve.

Este sentimento de complacência é o que definiria
este amor.Não só um sentimento amoroso piegas de doação, mas de entrega
absoluta ao que nos cerca, inclusive ao sofrimento.Sim, meus caros, amor
também pressupõe um sentimento de um certo masoquismo sofisticado, em
que você deve amar não só quem te ama e quem você já ama por
afinidades eletivas, mas também estar aberto e aceitar o
diferente,inclusive o chato do vizinho que gosta de pagode e axé
music.Deve-se amar , de maneira mórbida, inclusive a própria rejeição, o
‘’não- amor’’ daquela que o rejeitou.

Amor, amor de fato, é esquizofrênico. Senão, como
definir o amor de Jesus Cristo, que se deixou matar e torturar por um
sentimento de amor a todos e a qualquer um? O ícone do crucificado é
perfeito.O ser humano em seu esquartejamento metafísico, estirado para
os quatro cantos:para cima, para o que transcende; para baixo, para o
material, para os pés no chão, para a solidez pragmática de seu
amor sado-masoquista e prazeiroso; e para os lados, na forma de um
abraço complacente a tudo e a todos,um abraço ao mesmo tempo em forma de
doação e sacrifício, em forma de tortura e de prazer.E ainda querem me
dizer que o amor não é um sentimento sado-masoquista? Ora…

Pois muito bem, este mesmo abraço remete a um abraço que envolveria o
próprio corpo, uma vez que abraçar a humanidade inteira é abraçar a si
mesmo também.Deus seria cada um de nós, pressupondo-se que o sentimento
amoroso da criação estaria embutido em cada vontade, em cada desejo, em
cada acerto ou erro nosso.Adorar a Deus, uma entidade abstrata e criada
por nós mesmos, seria uma atividade de fundo narcisista, de
adoração a nós mesmos.Mas trata-se aqui de um narcisismo coletivo, sendo
que todos são um e um são(somos) todos.Então, o amor seria uma
sublimação da escolha, uma superação de preferências e uma aceitação das
diferenças e adversidades, sendo que esta aceitação não implicaria
exatamente em uma aceitação apática.Deve-se lutar contra a mediocridade
e as injustiças, mas deve-se ser complacente ao mesmo tempo com o mundo
tal qual ele se nos apresenta. Esta seria , no fundo e na superfície, a
vontade de nosso todo-poderoso, criado à nossa imagem e
semelhança, que em seguida nos criou para sermos seus- e nossos-
brinquedos a um só tempo.

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