2006-01-11 03:04:00

       
  

Restos constrangedores

Mudar de idéia é recorrente numa
vida.Mas vez por outra quando a idéia tenha sido motivo de paixão
ardorosa, o negócio da mudança fica doloroso.Como deixar de amar uma
pessoa, descobrindo que a dita cuja é mau caráter, perniciosa e
canalha.O desencanto é lógico, mas sempre fica uma mágoa que se traduz
em uma certa utopia de talvez não se estar certo o suficiente sobre o
caráter da outrora bem amada e também sobre seus próprios sentimentos
atuais em relação à ela.Enfim, o mesmo se dá com crenças
abandonadas, aquelas estruturas ideológicas que comandavam nossa
vida e que de repente desmontam ao vento.Como perder o chão e ser
obrigado a trocá-lo por outro(que geralmente é tão ou mais movediço que o
último).

Assim em tudo, desde convicções políticas a aspectos
mais religiosos ou éticos.Sempre fica um resíduo daquilo que você
abandona no meio do caminho.Tal qual o ex-católico agora ateu que
se benze ou reza quando ninguém está vendo e o faz por um medo
atávico remanescente da infância(ai,ai, Freud…) quando os cânones
cristãos assimilados eram expessão absoluta da verdade;tal
qual um ex-comunista que depois de toda a história do stalinismo e
da derrocada do famigerado sistema ainda afirma que o
mesmo comunismo sobrevive enquanto sonho de um mundo melhor;como
quando um petista frustrado ou envergonhado diz que votaria na reeleição
de Lula ou nulo ‘’porque, ah, são todos iguais’’.

Não se sai ileso de uma crença que um dia foi
absoluta.E mais grave: de uma maneira geral,a besteira, a
ignorância e a cegueira sempre deixam rastros indeléveis na psique
humana, ao contrário da inteligência, que se esvai ao menor sopro de
alento mistificador.Talvez porque a inteligência pressuponha um certo
ceticismo elementar, um certo desprendimento de convicções e um certo ar
enjoadinho meio metafísico meio blasé que não é afeito aos
temperamentos mais contentes e felizes.Pensar dói um bocadinho e o torna
meio apartado de certezas absolutas, coisa que não leva necessariamente
a uma vida particularmente esquemática e colorida.Por isto a tendência
geral é se aferrar a estruturas mais fáceis, mais elementares que possam
moldar um grau de adaptação afável às circunstâncias adversas.

E o pior é que em nosso mundinho medíocre, o
pobre sujeito que , com toda honestidade intelectual e moral, muda de
idéia, assume que errou, é taxado de vira-folha.Enquanto a mula de
pensamento único do tipo Luis Carlos Prestes é premiada com o
título de ‘’coerente’’.

Há, claro, que se tentar acreditar em uma ou outra
coisa para pelo menos fingir(para si mesmo também) uma certa
estabilidade moral e intelectual e, convenhamos, alguns princípios
éticos são universais mesmo, embora os antropólogos multiculturais
barbudinhos de rabo de cavalo digam o contrário.Mas ainda assim,
meu caro leitor, quando abraçar uma idéia, abrace devagarinho, com
sutileza,sem ‘’idealizar a idéia’’, capisce? Sem muito radicalismo,
antes que ela, a infame idéia crave os dentes em você como uma daquelas
vamps que usam botas de couro com salto quinze.E então, meu caro
desavisado, você poderá correr o risco de se deslumbrar, de se apaixonar
por uma megera vulgar e sair por aí dizendo que a fulana é casta,
elegante e imaculada.Depois para voltar atrás, já viu…

  

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