Custos e benefícios temporais de uma paixão
Tempos atrás li na revista Time que a
paixão durava em média uns quatro anos;agora me chega uma pesquisa
dizendo que um tal hormônio ou substância que nutre a paixão dura um só
minguado ano.Sinal dos tempos em que muito trabalho e pouco espaço para o
lazer não dão canja a sentimentos mais duradouros.Enfim, como se diz o
clichê, troca-se paixão por amor, companheirismo, amizade e estes outros
sentimentos mais comezinhos e bem menos emocionantes, sem prejuízo da
funcionalidade e da estabilidade do indivíduo.
Mas o clichê é de fato superficial e, com excusas da
redundância proposital, clicheresco mesmo.Por companheirismo, pode-se
ler preguiça.Ninguém tem saquitel suficiente para trocar de paixão todo
ano.Até porque se apaixonar é relativamente viável, já tornar-se alvo da
paixão pelo seu objeto de paixão é bem mais complicado.Vejam bem, odiar
é bem mais tranquilo, uma vez que seu ódio independe dos sentimentos da
criatura odiada.Se apaixonar por e amar alguém o torna presa do
objeto amado e aí está a nhaca estabelecida.Não acredito nem que a vaca
tussa em paixão milimetricamente igual, equânime entre os entes
passionais.Há sempre alguém que ama mais que outro alguém em um casal;há
sempre uma dose de rejeição implícita até em relacionamentos de mútua
afeição.Estabelecer esta assimetria por anos é um fardo meio cansativo,
não? Mas que diabos fazer? Dar uma de poeta romântico e sair à caça
de paixões fulminantes a duas por uma? Virar adepto da misoginia e do
onanismo sentimental?A rigor, as demais opções não necessariamente
comportam melhores resultados do que se entregar à preguiça e aproveitar
delicadamente a assimetria de correspondências amorosas e
sentimentais e a decadência de sentimentos em relação ao
progressivamente nem tanto ente amado.
A garantia é que nunca se concebe bem o tempo desta decadência
natural do sentimento amoroso .Sim, sim, há toda esta história de que,
ao contrário da paixão, o amor é eterno, mas nunca se discutiu a
fundo estas sucessivas metamorfoses porque passam o nobre
sentimento(Amor sem sexo e sem paixão? Não é mais ou menos o que você
sente por sua mãe?…).E se apaixonar e sucessivamente amar dá
trabalho.Manter uma relação em bases sólidas de diálogo;em bases
econômicas;em bases de balanceamento de idiossincrasias e neuroses
conflitantes, é para lá de custoso.E com este imbróglio todo que implica
a manutenção de um sentimento que naturalmente irá decair, por que não
trocar esta garantia de uma suave decadência pelo turbilhão de se
apaixonar sucessivas vezes?Questões de pesos e medidas que vão depender
de cada amador passional.No fundo e na superfície também, tudo é
complicado, até mesmo ficar parado sem fazer nada e não amar nada nem
ninguém ou amar sucessivas vezes.Figura utópica e mais tranquila
mesmo(embora tenha uns relances de tara também) talvez seja o amor
abstrato pela humanidade inteira, como fazem os padres, que não correm o
risco de uma rejeição direta ou da visibilidade a olho nu da decadência
de um sentimento.Mas, como já disse, a figura é utópica e o sentimento é
abstrato, porque o precursor dos abatinados tentou amar a humanidade
inteira de fato e deu no que deu: rejeitado por quase todo mundo
e pregado na cruz.A resposta amorosa e passional a Ele veio
postumamente, ou eternamente, segundo os mais etéreos.Mas nós ,
criaturas mais vulgares, sem aspirações a santidade nem a amor coletivo
preferimos uma coisa mais tête a tête, ainda que a tal coisa vá se
esvaindo aos poucos ou possa ser trabalhosamente renovada de tempos em
tempos.Amar o(a) próximo(a) como a ti mesmo.Sim, mas(no meu caso, ao
menos) amar algumas próximas específicas com maior
vigor, amando uma de cada vez enquanto a coisa dura. Que, no
sentido material do termo, amor coletivo é suruba.