2005-11-21 06:22:00

       
  

Acepções miseráveis da miséria

Pobre, miserável e maltrapilho.São
as características básicas de noventa por cento das personagens que
povoam a retomada do cinema brasileiro.Trocou-se a vulgaridade explícita
da pornochanchada da década de setenta pela rotunda sisudez da
preocupação social.E também nada de metáforas e alegorias, como faziam
os cineastas do cinema novo.O pobre cinematográfico contemporâneo
brasileiro agora tem que chorar, furunfar, comer de boca aberta
realisticamente, como  fazem nas telenovelas.Disse preocupação
social? Bem, nem tanto assim. Talvez um sentimento de dor de consciência
somado a um oportunismo bem baratinho.Reparem, por exemplo,como Walter
Salles Jr parece pedir desculpas por ter nascido filho de banqueiro em
cada filme seu que invariavelmente vem com a história de miséria e
heroísmo social.O esqueminha até funciona, às vezes.Mas quase sempre soa
apenas como um estereótipo reforçado do bom selvagem Rousseaniano:o
puro corrompido pela adversidade social, a vítima do capitalismo
selvagem, e blá blá blá.

O cinema, neste caso, é apenas uma ícone de um
processo mais amplo.A questão é: esta miserabilidade fashion seria um
crítica social ou uma celebração de certos aspectos folclóricos da
miserabilidade tupiniquim? Toda a intelectualidade brasileira sempre
teve um certo deslumbre pela miséria do país.Não por acaso, o
nordeste sempre foi o foco principal de discussão sobre uma suposta
identidade nacional.O sofrido, carrancudo , estereotipado e
vitimado nordestino, mimado como o exemplo de resistência, bravura e
vitimização do brasileiro esfarrapado,que tem lá seus consolos em uma ou
duas batucadas durante o ano.O sul do país, coitado, com sua população
menos miserável e menos esfarrapada e suas loiras de olhos claros,
fica relegado a segundo plano, por ser mais enfadonhamente desenvolvido e
não se adaptar aos cânones do clichê nacional do que é ser
brasileiro.Se pensa demais,se não sofre demais, se não passa fome e se
não é vítima da violência(ou bandido mesmo), então não entra no filão
dos estudos de artistas e intelectuais tupiniquins.Conflitos, claro, só
os sociais.Metafísica é coisa de gentinha hiper desenvolvida, segundo o
grosso de nossos artistas e intelectuais.

Este padrão indica não só a miséria-mais miserável
que a miséria real dos miseráveis- do pensamento nacional, como também
demonstra um gosto masoquista pelo subdesenvolvimento.’’Somos
diferentes, porque não sabemos caminhar com as próprias pernas, porque
somos eminentemente desorganizados, porque cultivamos um caráter ambíguo
e não necessariamente ganhamos o pão como o suor do nosso rosto, que
nos é tomado na maioria das vezes(então que tal tomarmos de volta de
quem nos tomou?)’’.E daí nasce o tradicional personagem clássico do
folclore nacional:o brasileiro espertinho, subdesenvolvido, levemente
corrupto ,indignado com a corrupção alheia, leniente com os próprios
pecadilhos, que seriam, claro, fruto de sua luta contra o poder
esmagador do capital.E aí a dúvida:este seria um personagem construído
ou já estas ‘’virtudes’’ seriam tão arraigadas no imaginário nacional
que deixaram de ser cultivadas por nossa intelligentsia e se tornaram de
fato reais e inerentes à nossa personalidade? Sim, porque brasileiro
que preza o próprio clichê já nasce coitado.Estréia >

Se acham que exagero, tentem procurar algum filme, livro nacional que
seja que fale a respeito de gente inteligente e sofisticada.Uma
raridade.Gente que pensa por conta própria ,que concatena idéias, que
não dá tiros, que toma banho todo dia e que não come jerimun com farofa é
avis rara no cenário artístico nacional.Marionetes martirizadas dão
muito mais frutos e dividendos estéticos, segundo o imaginário dos
pensadores e criadores da terrinha.Reza a lenda que, para eles, Filmes
de Woody Allen, Ingmar Bergman e peças de Beckett são pecados mortais do
mundo imperialista.

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