A trágica perda do deslumbramento
Perdi a capacidade de me
deslumbrar.Com qualquer coisa.Mais complicado: percebo metódica e
racionalmente aquela fagulha de um certo encanto mais concreto que se
instaura dentro de mim diante de alguma novidade sedutora, ou seja,
sinto o início do deslumbre e não consigo mais então me embasbacar com a
idéia ou com a coisa em si.Consequentemente, me brota aquele sorrisinho
de escárnio meio déja vu, aquele sensação de já haver experimentado
aquela mesma sensação de admiração incondicional de passionalidade
absoluta por algo.
Se chamam isto de maturidade , vá la, concordo.Mas
que é meio chato, é.Como se o mundo perdesse um pouco a graça, se
tornando meio preto e branco, meio acinzentado.Este negócio de trocar
paixão por sabedoria pode até ser bom em termos bíblicos ou filosóficos,
mas em termos pragmáticos, é muito enfadonho se tornar um pragmático.Me
sinto hoje quase um objeto de estudo geriátrico.Perdi minhas espinhas
físicas e simbólicas.
Sim, porque o deslumbramemnto é uma característica
eminentemente adolescente.O suspiro de uma primeira paixão, do primeiro
encantamento com uma primeira ideologia(geralmente de esquerda festiva),
a primeira sensação de se tornar intelectualmente independente, de se
rebelar contra o status quo.Enfim, estas tolices necessárias ao ego e a
sua consequente destruição pelos fatos subsequentes;a consequente
desilusão e o consequente desencanto oriundo do passar do tempo.Tudo uma
maravilha até que fatalmente se prova o contrário.
Tenho uma inveja subliminar e intratável dos imbecis
que não amadurecem.Ah, não falo apenas de eternos adolescentes
estratificados como o Supla e seu papai.O deslumbramento intelectual
também é pesado, principalmente em terras tupiniquins.Agora mesmo leio,
com o velho e trágico sorrisinho de escárnio, uma entrevista da doublê
de filósofa Marilena Chauí que afirma que a crise de governo do PT é
produto da mídia e da luta de >
Tenho esta inveja amarga, subcutânea, metafisicamente
irrevesível destes que se deixam deslumbrar por idéias estapafúrdias,
compreendem?Principalmente por idéias políticas equivocadas, uma vez que
estas arrastam vidas em nome de um feérico sonho de patacuada. O bom
senso não me deixa mais cair nestas prazeirosas armadilhas que nos
salvam da realidade.Realidade não só dos fatos, mas realidade das
coisas, da vida, dos elementos mais banais que nos circundam.A realidade
pesa.E arte definitivamente não ajuda, uma vez que arte(arte
verdadeira, digo) também é produto da incapacidade de se deslumbrar,
fonte de desgostos transmutada em elemento estético.Arte, já disse e
repito, é masoquismo sofisticado.
O que me resta hoje em dia( e o que me consola) como exceção é o
deslumbramento pelo sexo oposto.Ainda creio ser capaz de me apaixonar,
mesmo sabendo das consequências.Algumas imbecilidades aqui e outras
cegueiras acolá compensam até uma vida inteira de sensatez , meus
caros.Mas só algumas.E bem poucas.