Banhos
Lavo-me do peso de uma sobrevida em interrogação
que entope meus póros com questões aglutinadas
Sujeira estéril de tragédias purulentas intumescidas
Sujeira indelével coroando a marca de minhas pegadas
sobre meu corpo já imundo de minha presença
Lavo-me de mim mesmo
Lavo-me da beatitude hedionda de minha ingenuidade latente
da doçura calculada e maculada da próxima frase melíflua
transformada a seguir em generosidade indolente
para com meus dejetos internos
Lavagem feérica de lama asséptica e desnaturada
Varredura do tempo escoado pelo ralo
Filtragem de uma história quase inútil
esfregando as cercanias de ações malversadas chances desperdiçadas
redimindo mãos pés e corpos conspurcados por atos túrgidos
o caminho branco e límpido
em meio ao esgoto esterilizado por eficazes óculos escuros
E eis que após o banho
nos sobrevêem o hálito de novas sujeiras a fins
novos lamaçais nos cobrindo de lodo revigorante:
mais metafísicas nodosas e movediças em acúmulo
E então me recolho ao barro atávico que não cura
antes embaralha pegadas e confunde as formas
aquele mesmo que me afasta de fontes cristalinas de água suspeita
E eis que me volto ao pó original
que decanta e redime a necessária sujeira nossa de cada dia.