O oitavo pecado capital
Deveria haver no catecismo um oitavo
pecado capital a ser considerado:a chatice.Aporrinhar o próximo deveria
ser considerado ofensa grave aos preceitos cristãos.Vejam bem:a inveja,
a gula, a luxúria são pecadilhos de muito menor gravidade, porque não
se manifestam às claras.Pessoas têm receio de parecerem invejosas,
taradas ou gulosas.Mas a chatice é espontânea, visceral, manifesta,
escancaradamente manifesta, posto que o chato, a rigor, nunca tem
consciência da própria chatice.Talvez por isto mesmo haveria este
empecilho de inserir a chatice no índex católico:justamente o fato de o
chato não ter consciência do mal que faz.
Mas isto traz à baila um probleminha de ordem
teológica: um pecado só é de fato pecado quando o pecador tem
consciência do mal que faz ao semelhante? Ora, mas o mal feito, feito
está, independente da consciência ou não do malfeitor.Se um assassino é
amoral e não se vê perseguido por nenhuma culpa, isto não o reabilita
nem traz de volta à vida o assassinado.Como então o tal matador ganharia
o reino dos céus?Só porque o sujeito não tem escrúpulos morais e não
sabe que matar é errado?Ou seja, a inescrupulosidade, a ignorância moral
seria uma espécie de habeas corpus para o alma penada que se veria
livre da pena?
Assim com o chato.Sua chatice incomoda e independe de
sua ilusão pessoal de que não é chato.O problema é que a chatice é
menos definível que um mal como o furto ou o assassinato.A chatice é
abstrata e subjetiva e mais afeita às leis da física e da
antropologia(tudo é relativo, lembram?).Definir e objetivar a chatice é
tarefa difícil, sendo que a dita se aplica mais ao fígado que ao
cérebro.A chatice de um depende e varia de acordo com a personalidade do
que está ao lado do chato.Portanto, seria difícil julgar taxativamente o
que poderia >
O mais grave, e infelizmente menos demonstrável em
palavras, é o chato metafísico;aquele que incomoda a sua alma, as suas
entranhas.Que sofisma sempre sem senso de humor, que escreve e diz
verdades absolutas sem nenhum charme(verdade sem estilo é chata), que
traveste clichês com aparência barroca, que intelectualiza futebol, que
torna enfadonhos sentimentos nobres como o amor e a amizade.Toda esta
chatice é perfeitamente demonstrável em palavras ,mas complicada de se
definir a olho nu.O chato metafísico é uma entidade abstrata e
escorregadia.Só mesmo uma deidade como o Deus católico para julgá-lo
pessoalmente.Aos mortais resta o direito de, diante do chato metafísico ,
apenas ensaiar um muxoxo de preguiça e enfado.
Mas podemos ajudar um pouquinho a misericórdia divina
nesta árdua tarefa de identificação dos chatos metafísicos.Há, por
exemplo, profissões que incitam a chatice metafísica.Disse há pouco do
incômodo de tornar enfadonhos sentimentos nobres.Esta é uma tarefa
afeita a pastores de determinadas igrejas,de líderes de escoteiros e
assistentes sociais que falam sempre com voz de diabetes, excessivamente
açucaradas, sobre amor e amizade.Toda vez que contemplo uma criatura
destas, tenho vontade de travar conhecimento com um advogado canalha.Mas
este último me lembra os sofistas sem senso de humor.Comentaristas de
futebol dispensam comentários sobre sua chatice intrínseca.E pior mesmo
que todos estes são os jornalistas que já optam desde o início pela
chatice como profissão:a verdade dos fatos, a verdade chatinha e
comezinha dos fatos…Ah, e os acadêmicos que, ao contrário dos
jornalistas, adoram rebuscar e adornar verborragicamente um buraco na
rua.
Em suma, identificáveis ou não, os chatos são os criminosos mais
pérfidos, porque têm sua atividade criminosa afeita aos padrões
sociais.A chatice se molda a todas as profissões, estilos de vida,
personalidades, padrões morais, éticos, filosóficos, etc.A chatice é uma
doença inescrutável e , por isto, inimputável.Para desconsolo de todos
os não chatos.Mais triste é que estes últimos mais e mais se tornam
minoria.