Prece
que permeaste tua ascese em irônica derrocada
fincaste os braços em abraço megalômano
naqueles teus algozes cujo ódio respondeste
com a vingança do teu perdão calculado
Tu que edificaste o mais belo projeto de fracasso
ergueste um monumento ao sangue derramado dos inocentes
e ao castigo afável perpetrado aos teus seguidores
Tu que arrancaste júbilo de tua dor projetada pela história
haverá de sorrir de cada ego intumescido pelas razões lineares
Teu legado é nossa rejeição à obviedade dos instintos
nosso apego incontido ao masoquismo que nos salva
a complacência sensual ao avesso e à mácula
Tua oferta magnânima é nossa dor incrustada de cada dia
nossa antropofagia esquizofrênica de teu sangue tua carne tua palavra
nossa tentativa melancólica de refutação ao prazer comum
Abutres redimidos nos alimentamos de tua morte
de tua palavra crucificada
do teu sangue coagulado em nossas entranhas
Teu corpo glorioso é repasto de teu rebanho antropófago
ávido pelo próprio abate reedificante
Por este alimento indigesto te agradecemos
Por este banquete dionisíaco
revelador de nosso sabor intrínseco
O gosto insuportável e irrefutável
De Tua de nossa carne em decomposição
continuamente recomposta em permanente ressurreição
Por esta orgia canônica em comunhão te agradecemos,senhor.