2005-08-03 02:15:00

       
  

Cadê a aura?

Há uma clara simbiose entre arte e
religião, pelo menos no que toca ao conceito do que vem a ser sagrado ou
não.Existe um certo respeito reverencial por tudo aquilo que se
proclama artístico ou religioso.A arte é uma espécie de religião para os
mais refinados de espírito, eu diria(em tese, em tese…).De quelquer
forma,cuspir em chão de Igreja ou passar meleca na Mona Lisa é acintoso,
constitui ofensa grave.Mais pagã, mas não menos pedante, a arte revirou
um pouco este conceito no século passado, tornando o profano também
sagrado e, de uma forma meio enviesada, também o inverso.Mas a aura de
sagrado continua lá, mesmo que travestida de profana.Quando Duchamp mete
uma roda de bicicleta no meio de um museu e diz que é arte, logo se
arvora um séquito de crentes em volta do objeto de culto;quando Andy
Warhol desenha uma série de latas de sopa em um quadro, lá vai outro
grupinho de iluminados reverenciar as latinhas, todos em fila para
oração.

Esta suposta inversão do sagrado e do comum(Leia-se
‘’profano’’ para o manual dos pós modernos) é rigorosamente falsa.Uma
lata de Coca cola não deixa de ser uma lata de Coca Cola simplesmente
porque Warhol a tirou de seu contexto básico e a colocou em um quadro no
Louvre.Há uma certa necessidade humana quase que visceral de fugir da
própria mediocridade, nem que seja pela celebração desta própria
mediocridade, que foi o que fizeram os senhores Warhol e Duchamp entre
tantos outros pseudo artistas do século passado que supostamente
‘’viraram pelo avesso os conceitos da arte’’.Viraram nada.A arte , a
verdadeira arte é em si o verso e o reverso das coisas, a verdadeira
arte implica em uma celebração e ao mesmo tempo em uma crítica do objeto
descrito.O que fizeram estes dois senhores citados é mera alegoria de
cinismo.Uma atitudezinha blasé de contemporização distanciada da
sociedade de consumo;o que eles fizeram não foi arte, foi moda, ou se
preferirem, pura viadagem no mau sentido da palavra.

Certo artista que não me lembro agora o nome(nem
desejo lembrar), seguindo a onda de Duchamp, botou em um museu uma
instalação que era simplesmente uma privada.Um esperto admirador da obra
urinou em cima dela.Foi retirado furiosamente como um pecador que
profanava a obra sacra de uma artista.Ora, na verdade, o rapaz
simplesmente estava abençoando a obra em questão, tirando do ato de
urinar sua função utilitária e redimensionando este ato, transmutando-o
em uma ato sagrado, completando a obra de arte.Arte interativa,
senhores.Porque o preconceito?Porque uma privada pode ser retirada de
seu contexto original e se transformar em arte e o ato de usar a privada
também não pode ser artístico em si?Convenhamos, se é para ser pós
moderno e romper os tabus e separações do que  venha a ser
artístico ou não, então que sejamos radicais até o extremo, ora bolas…

Pois muito bem, esta celebração vazia do que está em
nosso redor só serve para nos imbecilizar ainda mais tornando sagrado o
que quer que seja.Se sacralizar algo é inerente ao ser humano, então que
se torne sagrado algo que valha a pena se tornar sagrado, ainda que
seja sagrado de mentirinha(como-não espalhem-tudo que é sagrado é de
fato mentirosamente mas-às
vezes-necessariamente segrado.Entendem?).

Querem um conselho?Sacralizem sentimentos, sensações, tais como amor,
vingança, doação,ódio, respeito, estas coisas etéreas e não
palpáveis.Pelo menos, na dúvida destes sentimentos serem sagrados
ou não, não corremos o risco de topar com adoradores de privada em
museus.Vocês poderiam me questionar que neste caso correr-se-ia o risco
de decretar a morte das artes plásticas.Ah, mais sou um sujeito
mesquinho, sabem?Minha área é mais literária e meus símbolos artísticos
são letrinhas bem menos concretas que latas de sopa.Os artistas
plásticos que resolvam o imbróglio em que se meteram. Ademais,a
literatura ruim e picareta é mais perceptível que uma roda de bicicleta
no meio de um museu.Pelo menos deveria ser, eu acho.

  

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