2005-07-02 10:42:00

       
  

Intermezzo crudelíssimo

Sejamos francos, convenhamos: a vida
é mesmo um desacerto, não?Há aqui e acolá pequenas epifanais, outras
tantas compensações, mas no final das contas, há mesmo mais atropelos e
chateações que prazeres , não?

Pois bem, tudo somado(ou subtraído) o fato é que a
maioria de nós continua vivendo, sem apelar muito para a metafísica, que
a coisa causa cefaléia e outros efeitos colaterais mais graves.E ainda
temos as tais compensações, que, a priori, são até bastante agradáveis
às vezes e que nos dão um certo alento ocasional.

Mas quero justamente, birrento que sou, esculhambar
estes mesmos intervalos de felicidade que nos dão este eventual sabor
ameno de quero mais, que nos remontam a nossa infância egocêntrica,
quando saboreávamos o prazer de ser o centro do universo, quando o
sentido da vida era pura e simplesmente nosso ego, nosso desejo.

Depois da primeira rejeição do seio materno é que
coisa degringola de vez.Desde então, sobrevêem as regras, tabus,
proibições e a tal descoberta do outro.Não é mesmo um acinte descobrir
que o tal ‘’outro’’ existe e que tem os mesmos direitos que
você?Pior:que sua liberdade plena e egoísta é podada devido à liberdade
alheia?Ou seja:esta terrível constatação melancólica de que é
moralmente errado usar outra pessoa a seu bel prazer.Um horror, um
horror…

Mas, como bons cristãos pós freudianos, aceitamos a
hedionda e necessária regra do jogo:somos mais um na multidão.E , daí
por diante, alternamos decepções, desilusões, desencantos, frustrações,
fracassos com alguns momentinhos de felicidade.

Pois é, a felicidade é exceção, senhores! Pequenos
momentos de alívio em meio a uma constante de desmazelo existencial, o
que , de certa forma, torna a vida uma espécie de tortura chinesa
sofisticada, que lhe oferece pequenos alentos para que você suporte o
que há de enfadonho e terrível em viver.

O objeto de estudo, para antipatia dos acadêmicos,
sou eu mesmo, no caso.Tenho um medo surreal destes momentos de
felicidade, entendem? Fico sempre desconfiado, ressabiado, esperando por
alguma notícia ruim, que, inexoravelmente, sempre vem.Daí então respiro
aliviado.O normal , ou seja, a nhaca metafísica volta a tomar forma
real e física mesmo.

Dirão os manuais de auto ajuda(em forma de livro ou
humana mesmo) que isto é falta de positividade ou pessimismo.Que
seja.Mas reparem que os pessimistas sempre acertam no fim das
contas,apesar desta mania esquisita de certas pessoas de abrirem sempre
um sorriso pleno de felicidade total e irrestrita, a despeito das
circunstâncias adversas.Destes, eu tenho inveja mesmo.Ainda aproveitam a
plenos pulmões o ar puro da fase oral da primeira infância.Colocam tudo
na boca e acham gostoso, até o que, para os paladares mais elementares,
tem um sabor mais que azedo.

Bem, tudo isto é por uma péssima notícia que recebi anteontem que me
tirou de um estado encantatório a que estava submetido até então.Estou
usando sua paciência, caro leitor, como elemento catártico para curar
uma dor de cotovelo mal resolvida.Ainda assim o texto é válido e, no meu
entender, verdadeiro.No mais, me perdôe o uso indevido de outrem(sim,
você mesmo) como projeção de meus problemas pessoais.Foge ao meu
controle.Apesar da(minha) superação da fase oral, certos elementos
perdidos na infância sempre voltam à tona.Principalmente os piores.

  

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