Cantiga de acordar
Era uma vez alguém
quase herói, quase vilão
quase trágico por quase nada
um quase ninguém por indefinição
sombra do projeto de uma figura indefinida
personagem esmaecida por uma ação inconclusa
por algum certo gesto não consumado
Era uma vez uma vida em suspensão
descompassada de um tempo alheio
ao seu próprio desejo e à intenção dos fatos
Era uma vez um quase alguém
fruto de desencontros acertados
verbos mal conjugados
e ações desorientadas
Fruto da perda de um começo
e da indefinição de um fim
Era uma vez a falta de sentido
um sabor acre de gosto nenhum
A insipidez branca de uma neblina
embrionária de uma tormenta
Era uma vez uma quase vida
pequenos movimentos dispersos inexatos
desvios de possibilidades objetivas
tropeços obstinados em direção certa
Era uma vez uma quase morte
não realizada por apego a quase nada
que se confunde ou se traveste de quase tudo
Era uma vez um contínuo permanecer
por falta de opções mais claras.