2005-05-28 13:40:00

       
  

Discussão de gosto

A origem da tragédia da falta de
gosto que impera e grassa hoje em nossos tempos se apóia quase que
totalmente no preceito democrático do ‘’gosto não se discute’’.Certos
chavões como este chegam a formar uma geração inteira de palermas.Gosto
se discute sim senhores.A discussão de gosto é a única capaz de mudar
paradigmas viciados e subverter tabus estéreis.

O que é a estética, um ramo da filosofia , que a
grosso modo nada mais que é que a discussão permanente de gostos
pessoais , coletivos?Sem ela, estamos perdidos no limbo da falta de
gosto, das convenções medíocres de padrões coletivos.O coletivo não
produz bom gosto, apenas clichês consensuais.Vejam bem , não disse mau
gosto, que este eventualmente até tem seu lugar na formação cultural e
até mesmo artística de um indivíuduo ou de um povo;disse ‘’falta de
gosto’’, o que é diferente.O próprio Nélson Rodrigues dizia que a melhor
contribuição que ele havia dado ao teatro era o seu ‘’mau gosto
agressivo’’.Alguns artistas têm o privilégio idiossincrático de revelar
sua genialidade através de seu mau gosto ostensivo, que pode ser
traduzido em uma cusparada na hipocrisia social.Além de Nélson, podemos
citar vários gostos grosseiros na história arte que deram certo como
Sade, Céline, Artaud,Balzac, Pasolini, Fellini e inúmeros outros.Há algo
de barroco neste mau gosto rebuscado e vice versa.Mas há que se ter
cuidado:a agressão artística do mau gosto é privilégio de gênios da
arte.Mau gosto de populacho é pura e simplesmente mau gosto mesmo, sem
maiores aspirações.

Mas eu falava da falta de gosto, o que é terrível.Que
pode ser interpretada também como o gosto medíocre, que impera em
nossos tempos.Reparem, não há espaço hoje para epopéias, para grandes
criações e criadores, não há mais espaço para (o termo é pedante,mas eu
gosto, ué) grande arte.Tudo se reduz ao cinismo, à ironia,a um certo
distanciamento, em razão do desapreço antropológico por verdades
absolutas.Longe de mim querer preconizar a volta a um tempo de
revelações bíblicas, mas, por exemplo, acredito que a obra de Homero ou,
mais moderninho, de Proust, falam mais ao nosso tempo que qualquer
escritor contemporâneo.Não basta ser irônico, é preciso ser trágico,
senhores.Senão, tudo se resume a uns sorrisinhos de escárnio que não
levam a lugar nenhum.Este gosto mediano da comédia fácil e ligeira,’’pós
moderna’’, aparentemente sofisticada, está nos empurrando para um
buraco de pedantismo oco e vazio.É o falso bom gosto, o gosto mediano,
potencialmente mais insalubre que o gosto vulgar, a meu ver.Como diz
Ariano Suassuna,em arte é preferível o mau gosto ao gosto médio.

Pois creio eu que a frase de Suassuna pode ser estendida a todos os
níveis da ação humana.Já viram alguém que ama mais ou menos, que se
apaixona mais ou menos, que odeia, que trabalha, que se sacrifica, que
se veste, come, namora, faz sexo mais ou menos?Já viram?Claro que já.É o
que mais existe em nossos tempos. Vivemos a cultura do mais ou menos,
do mediano.Tudo isto em decorrência da queda dos padrões de gosto em
nossas vidas, fruto de muito seriadinho da Warner, de filmes da Lassie
na sessão da tarde, de domingos inteiros de Fausto Silva e Gugu
Liberato, de livros de auto ajuda, de terapias alternativas baseadas em
cristais, e bilhões de outros exemplos.Não quero crucificar o
entretenimento vazio, coisa de que também sou adepto, às
vezes.Mas(perdoem a redundância proposital) o excesso abunda.Certo que
arte é exceção, mas o que se vê hoje é a ausência da arte.Toda vez que
se quer ter uma experienciazinha de transcendência, é preciso vasculhar
nas gavetas do passado, ressuscitar velhos tratados, reerguer grandes
obras.Assim não dá.Tempinho chinfrim e sem gosto este nosso.Credo.

  

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