2005-05-10 12:15:00

       
  

The big grandmother

Em novembro do ano passado, escrevi sobre o que
chamam de politicamente correto.Não gosto de bancar o profeta, mas
republico o texto, uma vez que o governo publica agora uma infame
cartilha execrando o uso de expressões públicas que considera
ofensivas, ”politicamente incorretas”.A cartilha  foi feita
com dinheiro público.Segue o texto, publicado originalmente em
23/11/2004, aqui mesmo neste blog:

 

Existe uma nova inquisição pairando no ar.Ela age na surdina,
quietinha, suave como bossa nova, e mais:aparenta ser bem intencionada.É
a indústria do politicamente correto.Os novos inquisidores aprenderam
que na base da porrada não subjugam ninguém e ainda criam movimentos
rebeldes.A nova inquisição tem cara de bonachona, como uma avó
conservadora que vigia todos os passos dos netinhos para que sigam à
risca um manual de bom comportamento.Uma espécie de ‘’big grandmother’’,
uma grande vó ortodoxa agindo na sociedade com um suave jugo para as
ovelhas desgarradas.

Para o politicamente correto, tudo é nuança.Preto não
pode ser chamado de preto, nem aleijado de aleijado.Terminologia direta
é ofensa.Então se procuram eufemismos, semi-tons para raças e defeitos
físicos.Pretos são ‘’afro- alguma coisa’’, gordos são ‘’fortes’’, débeis
mentais sofrem de ‘’disfunção cognitiva’’.É uma revolução que anula
todas as aparentes ofensas(chamar preto de preto é ofensa?) através de
uma nova terminologia.Uma nova civilização que se traduz como um
eufemismo daquilo que é, ou seja, uma suavização do que está na nossa
frente(?).

Mas o politicamente correto não age apenas no campo
verbal.Ele faz uma reestruturação do comportamento humano.É proibido,
segundo suas bases, não ler qualquer livro até o fim, bem como é pecado
mortal julgar qualquer obra sem terminá-la.É proibido ofender algo ou
alguém sem que se esteja plenamente certo da mediocridade ou
desonestidade do dito cujo.Para o politicamente correto, Paulo Maluf é
um político ético e Paulo Coelho, um bom escritor, até que se prove o
contrário.A dedução, o instinto, a intuição mais óbvia são
terminantemente proibidos segundo os pressupostos politicamente
corretos, e quem desobedecer as regras, queimará na fogueira do opróbrio
dos julgamentos precipitados e injustos.

Esta nova sociedade que emerge garante liberdades
fundamentais que nunca sonharam ser conquistadas:o medíocre tem direito
de ser medíocre, o aleijado tem direito de ser aleijado, e o
negro(pasmem!) tem direito de ser negro, mas não nestes termos
verbais.Não é mesmo uma revolução?

Poderia se perguntar qual o sentido desta nova
inquisição:diminuir os preconceitos?Ah sim, porque a palavra
fundamental, o índex paradoxalmente usado ad nauseum pelos politicamente
corretos é ‘’preconceito’’.Como tudo é eufemizado neste universo
particular, então os conceitos deixam de existir, claro.Tudo torna-se
manifestação subjetiva e precipitada. Tudo é pressuposto, um idiota não é
idiota e um cego não é cego, até que se prove o contrário.Como já
disse, tudo vira nuança, posto que conceitos absolutos se tornam ofensas
gravíssimas.Afinal de contas, dizer que um surdo-mudo é mudo é um
desaforo, não?

A revolução do politicamente correto é a revolução da perda de
identidade.Como todos os conceitos absolutos se transformam
em ‘’pré-conceitos’’, todos se ofendem por serem chamados do que
são.Todos perdem suas definições elementares e se tranformam numa
gigantesca, plácida e feliz massa amorfa, em que ninguém sabe o que é e
ninguém define o que vê.Uma pedra seria uma pedra, uma mulher seria uma
mulher?Não, claro que não, todas estas >
  

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