2005-05-07 13:30:00

       
  

Meu avô morto

Meu avô morto me fitava de olhos fechados
me olhava sem olhos mais fundo que os vivos
com a calma indiferença dos mortos
contemplava sereno meus olhos secos
sem emoções efusivas sem arroubos
 
Seu desaparacimento me lembrava minhas ausências afetivas
contrapeso de perdas futuras postumamente antecipadas
seu corpo imóvel coroava de gravidade muda e tátil
o balé de movimentos esquálidos em seu redor
(extrema unção de vivos em descompasso)
 
Sua morte me lembrava
a origem futura de meu primeiro não
do meu primeiro aceno negado
do meu primeiro nada como resposta
 
Do alto de seu trono magno o esquife involuntário
meu avô pagava com redobrada crueza
cada riso zombeteiro de adolescência soberba
cada movimento brusco do meu ego incipiente
 
Meu avô morto estirado no caixão
me arrancava dos saltos da minha infância
me colocava em meu devido lugar
mais baixo que o chão que amparava seu corpo
mais baixo que a cova que o abrigaria
em seu repouso ofensivo à minha permanência
 
Meu avô morto me ensinou a excelência eterna dos mortos
e a esqualidez perene e precária dos vivos
 
A dor de sua perda não é tanta pela falta que me faz
mas pela presença muda de sua voz silenciosa
que desorienta meus descaminhos
que cobre de véu um enigma já indecifrado
 
A perda de meu avô é antes
o ganho de um vazio materializado
como cova sem caixão
(buraco inútil)
como um corpo sem vida
(buraco tácito)
como um gesto de recusa
tardiamente descoberto
(abismo pleno).
 

  

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