Tempo
Reza a bíblia que há tempo para tudo
na vida.Erro crasso.A grande tragédia humana é a falta de tempo e o
tempo desperdiçado por ingenuidade e ignorância.E também as não
correspondências temporais.Quando se percebe o tempo perdido, quase
sempre já é tarde demais.Nunca tomamos as decisões certas no momento
certo.Em geral, só depois de quebrarmos a cara é que percebemos os erros
do passado.A sabedoria póstuma é sempre no máximo um remendo, uma
tentativa patética de contornar perdas pretéritas que não se transformam
em ganhos em um presente em que abrimos os olhos.As vistas podem já
estar cansadas depois de muito olhar para o chão e não enxergar o
caminho.
Deixando o nariz de cera metafísico(mas
necessário):assim com tudo na vida, desde exemplos íntimos até as mais
rocambolescas tragédias.Ama-se errado uma vez e lá se vão anos perdidos
que não retormam mais;empresta-se dinheiro a um suposto bom amigo e lá
se vão rendas e anos de labuta na conta de um mal caráter.O tempo ,
senhores, é o grande inimigo dos puros, ingênuos e cegos de coração,
daqueles que amam errado, confiam torto e se oferecem de bandeja
equívocos que podem durar uma vida inteira.Abrir os olhos depois de uma
caixão quase cerrado não adianta mais, a não ser para ser purgado em uma
vida além em uma espécie de purgatório para cegos.
Mas não se enganem, a tragédia destas não
correspondências temporais não se dá apenas no outro como excusa de
engano fatal.Nos enganamos a respeito de nós mesmos..Perdemos
oportunidades por talentos nossos enrustidos e incubados, por
oportunidades desperdiçadas, por palavras não ditas na hora
certa.Perdemos a vida em um simples vacilo, por um simples olhar
enviesado que não nos deixou ver o que poderia ser um caminho bem mais
profícuo e prazeiroso.Não é sempre nem exatamente culpa nossa.Caminhamos
quase sempre às cegas porque nunca sabemos bem qual é o caminho.A
voz da experiência alheia?Só serve para cobrir de conselhos e lamentos
infrutíferos a história pessoal de quem se proclama sábio e equilibrado e
que aprendeu com os erros do passado.Erros não ensinam nada a ninguém, a
não ser que eles podem ser fatais e provocam sofrimento sem sentido.Uma
vida nunca se repete, embora alguns poucos paradigmas dêem a impressão
enganosa de que há uma certa simetria nos erros humanos.A história só
serve para iluminar o caminho passado, e há sempre uma nuance nova,
quase escondida, que revira todos os conceitos apreendidos pela
experiência.Uma tragédia sempre se renova com novas e múltiplas faces.
A solução seria talvez deixar de viver, mas ainda
creio que há algumas compensações aqui e acolá.E também não tenho
vocação para poeta romântico suicida e nem dou conselhos do tipo ‘’você
pode, você consegue’’.Não,não,a maioria nem pode nem consegue.Mas
continua tentando por falta de opção .Morrer é muito desagradável para
quem sofre do mal de ter esperança.Eu, aliás,sou um destes pobres
coitados que ainda teimam em se esforçar para ver se a coisa vai.
E enquanto isto, o tempo vai e se esvai.A única opção
para não se tornar um tragicômico e enjoado Hamlet é adotar um tom meio
que blasé.Fingir que não vê para não ver torto ou olhar meio de soslaio
com um meio sorriso para não se decepcionar muito.É preferível a ter
que fechar os olhos permanentemente.
Há os que enfrentam tudo de peito aberto e se tornam
heróis, santos.Estes são louváveis, mas têem uma vida muito cansativa e
acabam se esquecendo de certos prazeres frugais.Há também certos
sortudos que se tornam mitos sem se saber muito porque, como o nosso
Tancredo Neves, nosso quase presidente de saudosa lembrança.Saudosa
justamente porque o grande homem morreu sem tomar posse e virou
símbolo.Seu tempo glorioso foi o tempo em que não viveu.
Mas glórias póstumas também não me seduzem tanto,
merecidas ou imerecidas.Bom mesmo é ser glorificado em vida.Não me
interpretem mal, por gentileza, não desejo ser papa, presidente, nem
ganhar o prêmio Nobel.Falo de uma glória mais silenciosa, mais sutil, de
um certo reconhecimento de valores mais comezinhos tais como o amor, a
amizade, o afeto. Estas coisas cafoninhas sem as quais não vivemos .
Sou um sujeito quase simplório, entendem?Meu trauma é nunca ter
vivido a vida pacata que sonhei.Sempre sou puxado para tragédias
canastronas, mesmo que algumas sejam silenciosas.Mas a tragédia maior é
meu deslocamento. Sou um clown shakespeariano em meio a uma
tragédia grega. Dizem que é falta de caráter, mas nunca consegui ter
desejo de vingança ou rancor pessoal de alguém.Além do mais, o tempo,
que é tão cruel às vezes, cura estas coisas menores, até porque no final
já não há tempo para se preocupar com quase nada.E meu fim é o final de
cada dia.Vivo encerrando permanentemente.Não tenho tempo a perder
levando tudo muito a sério.