Oferta
Eu te ofereço minhas mãos vazias
repletas de generosidade enganosa e doação inútil
Te ofereço um amor de plenitude chã,
raso como poça que espelhe o céu,
poça irrefletida de onde nasça uma flor tímida
logo atropelada por sua iminente morte e ressurreição
pelo pólen de suas secreções
espalhada a outros frutos vindouros,
também mortos e renascidos em ciclo desesperado
Te ofereço meus erros calculados, a sílaba balbuciante de uma
palavra mal colocada que queima todos os acertos
Te ofereço em sacrifício a angústia póstuma de minha despedida
por todos os anos que perdi ainda não te encontrando
Te ofereço meus pés desencontrados, felizes por terem chegado
à encruzilhada do teu descaminho
Te ofereço um tempo incerto
que atravessa a impermanência de sua duração
um momento projetado e incrustado
em deleites infecundos que durarão pelo espaço
de uma eternidade escorregadia
fincando nossos pés em solo movediço
Te ofereço meu suicídio em potencial,
minha semi-morte tragicômica
em resposta à vida não pertencida
que te deixei roubar de mim
como presente em fuga
Te ofereço a fidelidade presa aos meus instintos
que ora se prendem à nossa entrecruzada sombra movediça
Te ofereço meu agora imaterializado
que se desfaz ontem e se recompõe em incerto amanhã
como outro instante que o traia em sua semelhança
Te ofereço a promessa silenciosa
de quebra de todas verdades mudas
Te ofereço a traição da dúvida como prêmio
à tua existência insuportavelmente concreta
em sua coesa inexatidão
Te ofereço o desejo faminto por algo mais que não se define
e que reside ali a um passo nunca dado da descoberta
como oferta da paralisação do sentimento
que impede a locomoção mais elementar- a catatonia do gesto
do afeto que jamais se esgota em sua procura exasperada
Te ofereço uma constante tergiversação viva, dispersa em seu rumo certo,
grunhida ,berrada aos solavancos pelas esquinas, imemorializada
e esquecida pela lembrança mais forte
de tua ausência nunca chegada de fato
Te ofereço meu todo despedaçado como espelho partido
que reflete tua imagem
distorcida pelos nossos cacos de não reconhecimento
Te ofereço a sincera versão
de uma insinceridade latente
posto nunca nos conhecermos
a ponto de nos amarmos em ideal necessariamente fabricado
colado neste esboço, neste rascunho
de uma oferta pressentida
no corpo da intenção que jaz
na reverberação de sua luz
que revela nossa escuridão
mais íntima e alentadora,
que nos cura do cansaço
de toda pretensa iluminação.