2005-04-15 07:40:00

       
  

Oferta

Eu te ofereço minhas mãos vazias

repletas de generosidade enganosa e doação inútil

Te ofereço um amor de plenitude chã,

raso como poça que espelhe o céu,

poça irrefletida de onde nasça uma flor tímida

logo atropelada por sua  iminente morte e ressurreição

pelo pólen de suas secreções

espalhada a outros frutos vindouros,

também mortos e renascidos em ciclo desesperado

Te ofereço meus erros calculados, a sílaba balbuciante de uma

palavra mal colocada que queima todos os acertos

Te ofereço em sacrifício a angústia póstuma de minha despedida

por todos os anos que perdi ainda não te encontrando

Te ofereço meus pés  desencontrados, felizes por terem chegado

à encruzilhada do teu descaminho

Te ofereço um tempo incerto

que atravessa a impermanência de sua duração

um momento projetado e incrustado

em deleites infecundos que durarão pelo espaço

de uma eternidade escorregadia

fincando nossos pés em solo movediço

Te ofereço meu suicídio em potencial,

minha semi-morte tragicômica

em resposta à vida não pertencida

que te deixei roubar de mim

como presente em fuga

Te ofereço a fidelidade presa aos meus instintos

que ora se prendem à nossa entrecruzada sombra movediça

Te ofereço meu agora imaterializado

que se desfaz ontem e se recompõe em incerto amanhã

como outro instante que o traia em sua semelhança

Te ofereço a promessa silenciosa

de quebra de todas verdades mudas

Te ofereço a traição da dúvida como prêmio

à tua existência insuportavelmente concreta

em sua coesa inexatidão

Te ofereço o desejo faminto por algo mais que não se define

e que reside ali a um passo nunca dado da descoberta

como oferta da paralisação do sentimento

que impede a locomoção mais elementar- a catatonia do gesto

do afeto que jamais se esgota em sua procura exasperada

Te ofereço uma constante tergiversação viva, dispersa em seu rumo certo,

grunhida ,berrada aos solavancos pelas esquinas, imemorializada

e esquecida pela lembrança mais forte

de tua ausência nunca chegada de fato

Te ofereço meu todo despedaçado como espelho partido

que reflete tua imagem

distorcida pelos nossos  cacos de não reconhecimento

Te ofereço a sincera versão

de uma insinceridade latente

posto nunca nos conhecermos

a ponto de nos amarmos em ideal necessariamente fabricado

colado neste esboço, neste rascunho

de uma oferta pressentida

no corpo da intenção que jaz

na reverberação de sua luz

que revela nossa escuridão

mais íntima e alentadora,

que nos cura do cansaço

de toda pretensa iluminação.

 

  

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