2005-04-07 08:18:00

       
  

Apologia ao cão

Cães são os verdadeiros
cristãos.Não, não me processem, por gentileza.Falo no bom sentido.Tenho
certa estima exacerbada por cães, quase tão grande quanto  a que
tenho pelos cristãos e o resto da humanidade.Há algo de generosidade
plena, de um sentimento de doação sem prerrogativas em um cão, que pode
ser chutado por alguém e no momento seguinte perdoar o agressor e correr
para ele abanando o rabinho ,com a língua para fora.Sinceramente, não
conheço nenhuma alma humana, por mais caridosa que seja, capaz de um
gesto de tamanha generosidade e complacência.Cães são essencialmente
puros, desprovidos do pecado original.Cães não traem.Nunca houve uma
cadela chamada ‘’Eva’’ que ofereceu ao seu cão um ossinho conspurcado e
pleno de pecado.Não há pecado canino, não há o reconhecimento
metafísico do erro.Apenas a visão da virtude.Por isto, cães são os
cristãos ideais.

Cães são melhores que filhos.São sentimento puro,
apenas amor, sem os dissabores e inconvenientes que trazem uma relação
humana.Gostam de você por afeição congênita e não exigem quase nada em
troca, a não ser um mínimo de atenção.Poder-se-ia dizer que chegam às
raias da falta de caráter por comportamento tão dadivoso, tão desprovido
de orgulho.Mas de fato não estariam praticando a máxima que diz que
devemos amar ao próximo como a nós mesmos?Pois é, os cães vão além,
chegam a amar ao próximo mais que a eles mesmos.São, portanto, criaturas
mais gentis e mais bem acabadas do ponto de vista amoroso que
seres humanos.Amam incondicionalmente , instintivamente.Suas escolhas
amorosas são simples: amam aqueles que os amam.Não fazem como nós que
temos mania de amar criaturas inacessíveis, mesmo algumas que nos
detestam.Cães não sofrem de amor não correspondido, porque amam fácil o
primeiro que lhes dão uma porção, por mínima que seja, de amor e de
ração.

Falando sobre cães, aprendemos muito mais sobre os humanos, e sobre
nossa condição mais precária que a canina.Somos seres pretensamente
sofisticados, criamos problemas, projetamos realizações, vivemos de
passado, de futuro, quase nunca temos a menor idéia de que vivemos
em um presente permanente e que passado e futuro, a rigor, não existem
de um ponto de vista físico e material.Cães sabem disso sem o saber, e
saboreiam cada momento como se fosse o último, com a plenitude de gozo e
de felicidade que existe em cada instante.Por isto cada despedida e
cada reencontro tem um aspecto epopéico para um cão, mesmo que ele te
veja todos os dias.Não há cotidiano para um cão.Tudo é descoberta, mesmo
que o dia seguinte seja aparentemente igual ao predecessor.A única
memória canina é a afetiva.Mesmo que ele não te reencontre por anos, se
ele gosta de você, o reconhecerá de imediato pelo cheiro e pelo
amor.Nós, humanos, infelizmente, não temos o olfato nem o sentido
amoroso tão bem aprimorados quanto o de um cão.Temos esta mania de
pensar e repensar as relações amorosas, e , coincidência ou não, somos
sempre mais infelizes que os cães, mesmo que cães de sarjeta, que amam
mais e melhor que nós, pulguentos seres humanos.


  

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