Autismo utópico
Aninho meus vazios como quem embala uma criança morta.
Acaricio a placenta das minhas ausências, dos meus hiatos,
das minhas horas desperdiçadas.
Edifico as paredes que me cercam com entulho prenhe
de silêncio fértil e ensurdecedor.
Fora, vozes estrepitosas remontam sons de sentidos póstumos.
A ausência dos móveis decora o branco da memória abandonada
(inúteis os utensílios quando se perde o gosto do palpável).
As vísceras adornam o corpo da sala pelo lado de fora.
Dentro, o cheiro de ar puro que exala de um crânio oco.
Tempo não há, apenas a lembrança constante do instante seguinte.
O teto me ampara, o chão me delimita.
As paredes esquadrinham tacitamente
a compreensão do confinamento consentido
A gravidade atua para o centro de si mesmo
causa confortável da paralisia dos móveis ausentes.
Um único habitante.
uma única vida
em estado permanentemente embrionário.
Ainda assim, decoração e construção não se completam.