2005-03-04 22:16:00

       
  

Quem ou o quê representa o quê ou quem?

Nada contra fetiches.Principalmente
no quesito sexual, onde tenho algumas simpatias fetichistas amenas.As
pessoas precisam de símbolos, de prestar culto a qualquer coisa que
seja, senão enlouqueceriam.Alguma coisa deve simbolizar algo que faça
sentido, que transcenda e que nos dê algum chão no meio do caos de nossa
singela existência.Ainda que o objeto simbolizado não exista ou seja
imaginação torta de uns e outros, o que acontece na imensa maioria dos
casos.

Mas acontece que os símbolos e fetichismos quase
sempre extrapolam.Tenho a impressão que há mais símbolos que objetos
simbolizados.Toda vez, por exemplo, que vejo um religioso empunhando uma
bíblia como se fosse uma espada, tenho vontade de sair correndo de
medo.Me lembra as cruzadas da idade média, quando  decepavam
cabeças em nome do amor divino.Aliás, as religiões são campeãs de
fetichismo.Desde o catolicismo até o candomblé, os fiéis parecem adorar
mais os objetos palpáveis, imagens, santinhos, cruzes, escapulários, que
o próprio divino em si.É compreensível.Difícil para o populacho se
apegar a meros sentimentos nobres e puros de transcendência.O povão
precisa se agarrar em alguma coisa que dê para tocar.Só espero que as
bíblias não sejam muito afiadas.

Mas seria covardia eu delimitar esta minha singela
metáfora(outro símbolo, outro fetiche…) à religião.Vejam só, no nosso
mundinho moderno, pouquíssimas coisas existem de fato.Quase tudo é
símbolo e representação.Nossa estimada democracia representativa, por
exemplo.Temos pessoas no governo que nos representam através do voto,
que representam o poder soberano e a vontade do povo.Na tese, fica assim
bonitinho, mas basta dar uma olhadinha na cara dos deputados e de
alguns membros do executivo para perceber que esta representação não é
exatamente um espelho( pelo menos, não o meu).Os poderes executivos,
legislativo e judiciário representam(mais uma representação) uma espécie
de fetiche às avessas, em que odiamos sermos representados
por estes que nós mesmos elegemos.Nada mais sutilmente esquizofrênico.

Esquizofrenia?Claro que sim, mas há que ser
esquizofrênico em um mundinho esquizofrênico por definição.Ora, se não
há um todo a ser visto, então há que se tomar a parte pelo todo, a
representação pelo representado, ainda que se odeie a representação,
como acontece com o governo.Precisamos de símbolos, na verdade, pela
falta de elementos concretos.Tem gente, por exemplo , que adora pés
femininos,sapatos femininos, seios, orelhas, etc. Alguns até adoram mais
estes pequenos detalhes anatômicos que o todo de uma mulher.Poder-se-ia
argumentar que uma mulher é um elemento concreto, mas há controvérsias
sobre o assunto…

Mas continuando, tudo é símbolo mesmo.De fato,e fatos
não existem isolados e sem contexto(ou seja, fatos são símbolos
também), tudo é representação, como este texto mesmo é a representação
de um esboço de pensamento mal organizado de um autor virtual, que
existe como símbolo(bom ou mau) na cabeça dos que o lêem, como são
símbolos estas letras enfileiradas que produzem um fraseado
representativo daquilo que se intui, ou mesmo do que se percebe por
instinto.A palavra talvez seja o símbolo mais básico, primitivo e
rudimentar do ser humano.Na ânsia de se comunicar, de arrumar comida e
de fazer sexo que não fosse a base do tacape, os pré-históricos criaram a
palavra para facilitar a vida.Resolveram alguns problemas, mas outros
foram criados.Com a palavra, veio a metafísica, a filosofia, estes modos
obtusos de encaminhar a palavra, e até a poesia, que é uma espécie de
meta-palavra, de meta-linguagem, uma negação do discurso pragmático.Ou
seja, tinha que dar nesta embrólio mesmo.Talvez fosse até mais prudente
que a palavra não fosse inventada, que os únicos problemas do ser humano
fossem como arrumar comida e sexo fácil.É mais ou menos o que Rousseau
queria, o retorno ao bom selvagem, mas, infelizmente, já estamos muito
civilizados para conquistar uma moça na base da cacetada.

E ficamos todos assim mesmo, criando mais símbolos(para divertimento e
alegria dos semiólogos), mais fetiches, mais problematizações de
problemas criados, fetichizando a própria vida, impondo vários sentidos a
um universo indiferente e impassível diante do esforço humano de teimar
em fazer e dar sentido.

  

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