2004-12-13 21:53:00

       
  

O pseudo amor ao pseudo corpo

Somos basicamente narcisistas.Todos.A civilização
nos ensina , aos pouquinhos( para não nos chocarmos) que o outro
existe.E que devemos amar o outro, o que já é , de início, uma
dificuldade.Depois nos ensinam que temos que amar o outro como a nós
mesmos, o que já é quase impossível.Alguns poucos aprendem e sofrem os
custos de sua abnegação.A maioria dá um jeitinho.

Um destes jeitinhos chama-se patriotismo.Amor na verdade é
desprendimento do próprio ego.Patriotismo é narcisimo projetado e
disfarçado de amor às suas cercanias, o que é redundantemente patético.O
egocentrismo latente de uma pessoa é tão forte que se projeta para além
dos limites do próprio corpo.Ama-se a si próprio, à sua casa, às suas
posses , à sua cidade, estado e , por fim, à sua pátria.O amor a algo
específico pressupõe uma escolha que diminui e às vezes exclui as
outras possibilidades.A única escolha amorosa possível e legítima é a
uma pessoa.Não se ama uma entidade abstrata como um país com costumes ,
culturas e hábitos diversos, que , por imposição, teve seus limites
demarcados.Amor à pátria nada mais é que narcisismo (mal) disfarçado.O
mesmo que torcer para um time.O amor à pátria pressupõe uma crença na
hegemonia de valores culturais que , na maioria das vezes, nem são os
seus.Ama-se a pátria como se ama a si próprio, ao seu corpo.Mas um corpo
fictício, e construído a dar entender que se ama o próximo.

Patriotismo e seu sucedâneo, o pérfido nacionalismo, são os pilares
do racismo, da intolerância, da guerra.Não é utópico dizer que somos um
só povo, porque em verdade o somos.Um povinho chinfrim, medíocre, uma
raça que não deu certo:a humana.Não deu certo justamente porque se
pretendeu tão megalômana que criou distinções entre si, de povos,
credos, etnias, e estabeleceu valores a cada um.Não quero aqui negar o
valor da competitividade, mas esta se dá exclusivamente no campo
individual, não no que diz respeito à culturas de povos ou países.O
processo cultural é competitivo, claro, mas os valores que se sobressaem
são sempre individuais, que se destacam no campo do pensamento e da
arte.O coletivo, por si só,apenas consegue articular grandes
organizações.Como o nazi-fascismo, por exemplo.

Amor à pátria é uma falácia.O que há é orgulho da pátria.Um orgulho
vazio e despropositado.E amor é o oposto de orgulho, nunca é demais
salientar.Mas este orgulho tende a acabar e a cair no ridículo, com os
efeitos da globalização, tanto os nefastos quanto os virtuosos.Soa quase
ridículo hoje em dia falar em costumes de um povo, dada a
descaracterização crescente do que se chamam ‘’nações’’ e a confluência
de culturas.A quebra dos limites culturais é hoje inexorável e tende a
se acirrar cada vez mais.Claro que há uma hegemonia econômica que impõe
um modelo acima de outros.Mas sempre foi assim.Como contraposição à
hegemonia da mesmice pasteurizada, volto aqui a falar no
indivíduo.Só se pode aproveitar esta mescla cultural através da escolha,
do bom senso.E povos que raciocinam em bloco jamais terão este poder de
percepção e escolha.Resta ao ser humano, individualmente, separar o
joio do trigo desta balbúrdia globalizante.

Para começar, nada mais saudável que parar de olhar para nosso umbigo
inexistente de nosso corpo irreal, ou seja, nossa pátria, e abrirmos os
olhos para o que pode até nos parecer estranho a princípio, mas que
porventura poderá ser aproveitado.E abandonarmos esta bobagem de
patriotismo, que é tão ridículo como masturbar-se pensando em si
mesmo.Sim, sim, caríssimos,patriotismo é tara.E das mais esquisitas.

  

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