A cultura do coitadinho
No Brasil , talento nunca foi
quesito imprescindível para acesso à fama e ao reconhecimento.A
celebridade do tipo ‘’big brother’’ é um fenômeno muito mais antigo
e arraigado que o próprio programa infame.Mas há um fenômeno
particularmente afeito aos costumes da terrinha:a apologia do
coitadinho, do humilhado, que inexoravelmente se converte em herói
nacional. E notem bem, o fenômeno não se limita às celebridades
vazias.Muita gente de peso e de talento pega carona neste viés.
O exemplo mais recente é o do escritor Carlos Heitor
Cony.Um dos mais renomados e talentosos homens de letras do país,
Cony adora proclamar a sua paixão pelo que ele chama de ‘’homem
derrotado’’, e que o sucesso e a vitória não lhe interessam .Claro que
ele não deve se interessar muito pela própria vida, uma vez que ele é um
dos mais célebres, bem sucedidos e respeitados escritores do país.Cony
diz peremptoriamente que é um homem infeliz.Recentemente, o escritor
abocanhou uma pensão de mais de vinte mil reais, por ter sido
julgado como ‘’vítima da ditadura’’. Cony nunca foi torturado, sempre
trabalhou em respeitados órgãos de imprensa do país e sempre disse o que
queria dizer em toda a sua carreira.Mas se julga um coitadinho.Este é
seu maior orgulho:o de ser um homem bem sucedido , mas infeliz.Um pobre
coitado, enfim.
O exemplo de Cony é representativo , mas abundam
outros.Reparem como , por exemplo, todo morto célebre se converte
instataneamente em santo.Não importa o passado da figura, mas a morte, a
derrota final, lhe dá todas as bênçãos e perdões que ele tem direito.No
Brasil, morto é herói vitalício.Desde Luis Eduardo Magalhães até os
mamonas assassinas.Os mortos são sagrados ícones tupiniquins.Fico
imaginando o dia da morte do sr. Paulo Maluf, quando proclamarão os seus
nobres serviços à nação e as injustiças a que ele foi sujeito em
vida.Imagino seus parentes, em tom emocionado, bradando a plenos
pulmões, repetindo o patriarca em vida:’’ele nunca teve conta no
exterior!’’
Já os vencedores não têm vez no Brasil. Machado de
Assis, a despeito do seu gênio, é sempre lembrado, com requintado e
discreto prazer sádico, pela sua condição de gago e
epilético(alguns politicamente incorretos não cansam de salientar que
ele era um ‘’mulatinho que veio do morro’’).Não adianta:o sucesso no
Brasil nunca é consumado sem que o sujeito tenha um pé no fracasso.Ou
pelo menos uma paixão pela coisa.Que o diga Walter Salles jr., que a
cada filme seu, parece pedir descupas por ter nascido rico e filho de
banqueiro.Um estrangeiro que vê os filmes de Salles deve pensar que o
Brasil é uma grande favela de bons moços.A vitória não tem vez no
Brasil.Não se perdôa o sucesso aqui na terrinha.
Imagino que esta peculiar situação brasileira se deva
a um certo ranço deturpado do cristianismo no país, a uma certa cultura
do ”crucificado” ,do derrotado, que é entranhada no
brasileiro.Quanto mais belo o fracasso, mais bela a ”ascese”. Mas isto
não quer dizer que seja uma característica nobre e generosa de um bom
cristão que estende a mão aos perdedores.Ao contrário, é um cristianismo
deturpado, em que a generosidade e a compaixão se transmutam em inveja
do sucesso alheio.É um sinal trocado.Amor se converte em ódio mal
dissimulado.As sutilezas da mesquinharia são muito pouco evidentes.Nada
mais fácil que transformar um vício em uma virtude.Assim é o caso do
medíocre que se faz indignado e furioso com a mediocridade, assim o
ignorante que torce o nariz para o ‘’pedantismo’’ da intelectualidade,
assim o fracassado que esnoba o sucesso alheio.
Claro que no Brasil(e no mundo, aliás) as condições que levam alguém
ao sucesso são mais que torcidas e esculhambadas.A minha ênfase não é o
merecimento ou não do sucesso em si, mas algumas sutilezas do nosso
querido país, que tanto proclama suas boas intenções e generosidade aos
quatro ventos.