2004-10-17 12:43:00

       
  

Religar o quê a quem ou ao quê?

”Teologia é um ramo da literatura de realismo fantástico”(J.L. Borges)

 

Tive o assombro de presenciar na televisão uma das
cenas mais dantescas, dignas do último nível do inferno do autor
italiano:o padre Marcelo Rossi, com o olhar fixo e imutável lançado aos
céus desfiava uma espécie de novena em que rogava à Deus que abençoasse a
todos os espectadores do seu último filme. ‘’Senhor, abençoai a todos
os que virem o filme’’, repetia inúmeras vezes o padre em tom de súplica
emocionada.Mais aterrador que isto, só mesmo as sessões de exorcismo e
as entrevistas com os ‘’encostos’’ da tv Record .E pensar que o próprio
Jesus Cristo expulsou os vendilhões do templo em sua época.O que acharia
ele dos que fazem do próprio templo um balcão de negócios hoje em dia?

Nada contra a religião ou o cristianismo em si.Pelo
contrário, acho que a religião é um elemento necessário e fundamental à
humanidade.É preciso acreditar em algo que transcenda a matéria, mesmo
que este algo não tenha embasamento ou respaldo científico.A religião é
uma espécie de ‘’álcool’’ virtuoso que embriaga e faz bem à alma.

Mas também a religião é o terreno mais fértil para
toda sorte de picaretagens, porque trata-se justamente de uma matéria
incorpórea, sujeita às interpretetações mais subjetivas
possíveis.Partindo do pressuposto de que exista algo que transcenda a
humanidade(pressuposto pelo qual eu comungo também), tudo pode ser dito,
tendo em vista os mais diversos fins.O instinto primitivo de que existe
um ‘’Deus’’ ou ordem superior, ou seja lá o que for é quase uma certeza
instintiva. O ser humano é carente por natureza, não consegue se manter
de pé sozinho e teve que inventar Deus à sua imagem e semelhança para
que este o inventasse em seguida.É aquela velha história:’’se Deus não
exisitisse, seria preciso inventá-lo’’.

Se foi ou não necessária a invenção de Deus, eu não
sei, nem ninguém sabe.Instinto não se discute, mas religião sim, ao
contrário do que se diz, e deve ser discutida.Meu problema é com o que
fizeram com este instinto da ‘’ordem divina’’.Por mais boas intenções
que possam ser levadas em sua conta(o amor ao próximo, a
generosidade) não consigo ter grande respeito pela teologia, seja de que
igreja for, de qualquer crença.A(s) teologia(s)Sempre me pareçeu um
arcabouço filosófico em cima do nada, da criação humana que parte do
instinto de bondade, do amor ao próximo, etc, mas que no fim das contas
se traduz em uma espécie de literatura surreal que se pretende verdade
absoluta.Uma piada humana com pretensões divinas.

Por isto o mais pedante e pretensioso tipo
de erudição é a erudição religiosa. Em nome de uma série de postulados e
dogmas mais que duvidosos, atrocidades, injustiças e explorações
sórdidas já foram cometidas.Claro que alguns postulados religiosos como o
bem , a generosidade, o amor são prefeitamente louváveis.Mas pergunto
se estes elementos, tais como o sentimento da presença de ‘‘algo maior’’
em nossas vidas não seriam também da ordem do instinto humano, ou
seria, por exemplo, o amor, um fenômeno ‘’cultural’’?Creio que não.

Não é preciso desfiar aqui o rosário de explorações e
 deturpações de todas as igrejas ao longo da história, por que
estão ao alcance de todos. Das atuais, nem se fala.Basta ligar a
TV.Repito que não tenho aversão à religião, mas tenho profundo desprezo
por certos religiosos sórdidos e também uma certa inveja(sim,
inveja) do conforto  revigorante que deve dar
a pessoas crédulas acreditar piamente em expicações
metafísicas de sumas teológicas.A fé alimenta a esperança e a vida
de muito gente e neste sentido é e sempre será necessária .Mas também
alimenta o bolso e a vaidade de muitos aproveitadores, que não são
poucos e se multiplicam aos milhões.

Não vou me omitir:acredito em Deus ou seja lá o que estiver acima da
minha cabeça, mas desconfio Dele.Minha crença é curiosa, mas acho que
não estou só neste viés:acredito em Deus mais por necessidade mesmo do
que por crença absoluta.

  

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