Nascemos
Nascemos
no filho em que crescemos
ou indefinidamente
na espera pelo filho
que jamais teremos.
Nascemos na perda do pai
em que morremos.
Nascemos na traição do amigo
em que nos enterramos
ressuscitando no perdão
que rompe o hímen
do que vivemos.
Nascemos ainda
na memória criada
do pai , amigo, filho
que talvez jamais conhecemos.
Nascemos na ausência tátil
de uma perda
que tatua na carne da história
o passado em que estamos.
Nascemos sempre
na agonia deste eterno presente
que em vão matamos.
Nascemos na palavra viva e furtiva
que nos criamos
E na boca porosa em que nos dizemos
E na ação difusa
que nos enganamos:
nasce
onde jaz sempre vivo
o que nunca entendemos.
Não importa:
nascemos mais onde não nos sabemos:
no gesto de afeto que não merecemos
a contragosto à vida nos empurrando.
Nascemos sobretudo
na cega oferta de amor
em que nos perdemos.