Há um anjo que aninho
e que me tenta
com a ternura de um diabo:
um anjo que me segreda traumas invisíveis
que temperam a frescura do rancor
a um inimigo a quem ignoro e abraço
com a complacência a um amor que odeio.
Há um anjo ruim em mim
que esmago sempre
com delicadeza
a fim de não matá-lo completamente
porque também ele me sustenta
com seus olhos belos como chifres
que espetam minha fome de verdade
com o sussurro do engano em que me rio
do ódio a tudo que não vejo
e me acalenta.
Há no riso do meu cego ódio
este amor que me inventa.
Neste anjo, uma indignação
surda a seu propósito
cria a ação de sua demolição
e recorrente ressurreição.
Este anjo me sobrevoa por baixo
a fim de que eu me eleve
acima da bondade trevosa
em que desabo.