Noite no sofá

A voz da personagem da novela cafona
embala o sono de um personagem real
de uma elaborada solidão
construída a desabamentos
milimetricamente orquestrados
pelo dramaturgo que a povoa
na plenitude do despovoamento
do sofá de sua sala.
A marcação para o drama silencioso
traz personagens abstratos
que povoam o abandono:
a noite que se veste de hiato
que dá as mãos ao passado tão presente
ao passado nem sempre ocorrido
e tão sólido
em presente que se desfaz, líquido
que jorra no desperdício das horas
palavras e gestos
que compõem a muralha aberta da sala
onde uma personagem cafona
de uma novela cafona
beija a boca
despovoada
do dramaturgo sonolento
que sonha dramas reais
na sala esvaziada.
O dramaturgo sai da sala
se banha se veste
se reveste da rua
dos espaços que abrigam
os dramas que esperam
os personagens que acontecerão
que dão as mãos
aos que se foram
ou desaconteceram
antes de entrar em cena
e no futuro que o espera
no palco sempre habitado
do sono semidesperto
do personagem da sala esvaziada.

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