Uma ação se julga pelo seu esforço.
Uma pluma erguida por um moribundo
sustenta a força de sua humanidade.
Aquele que tira de sua fome um pedaço de pão
Doa a sua carne a quem sua alma implora .
O amigo que cicatriza o caráter de quem o trai pelo perdão que
acaricia a lâmina da faca que o rasgou .
O carcereiro cujo gesto de ternura devolve
a esperança ao prisioneiro
que roubou de si a compaixão.
O professor que ensina a outra face da razão
ao aluno que o esbofeteia .
O filho que devolve ao pai demente
um gesto de carinho que coroa a
sanidade inviolável do afeto .
Um copo dӇgua, um toque de ternura
Um simples gesto quase invisível
aos olhos dos carrascos devolve a vida
ao assassino e sua vítima.
Os corpos se vão
As ações não .
Uma pluma erguida por um moribundo
sustenta a força de sua humanidade
O genocida
Apedrejas a quem chamas de assassino
com a mesma mão
do carrasco que adorna a justiça
com a paixão de matar .
Aplaudes teu gesto de ódio com a mão
onde mergulhas no sangue invisível da vítima
que ignoras e banha teu clamor de justiça
que justifica tua vaidade genocida
que mata cada visão da realidade
que tua ética subversiva cega
em nome do amor à vida
que dizes propagar .
Crucificas a liberdade
Crucificas a vida
em cada gesto de tentativa e erro
que encaram a vida
em nome da tua covardia
de viver.
Em nome do teu amor
à sobrevivência
vais matando o trabalho
de cada dia
que alimenta a vida
de quem dizes amar .
Os cadáveres da tua moralidade
pavimentam o caminho
em que andas progressivamente
à chegada da luz que ilumina
a tua treva .
O certo a fazer
Você sempre sabe o certo a fazer.
Nunca é difícil o certo a fazer:
o gesto de perdão , a palavra de afeto
o mínimo esforço de uma comunicação
a quem não o entende
o afastamento de quem te esmaga
a ausência da ação de não tomar
o que não te pertence
a esmola a quem precisa
o olhar a quem precisa .
Nunca é difícil o certo a fazer .
Infinito porém
é o pequeno hiato entre
intenção e gesto
entre o breve esquecimento
e a ação não executada
do certo a se fazer .
Um breve momento de omissão
de preguiça vaidosa
que gera recompensa ruidosa
E desastrosa
que reverbera no eterno
do tão fácil certo a se fazer
não feito
que se dissipa no ar
e implode no silêncio no coração do vazio
da história do que jamais foi feito .
que explode na angústia varrida
pra dentro do teu falso desentendimento.
O certo a se fazer
que não foi feito
reverbera no impossível
do que nunca poderá ser refeito .
Você sabe do certo que poderia ter sido feito
e não fez .
Assim se perdoa nos futuros gestos
que remendam o não feito :
o carinho nunca dado adiado ao irmão
ora distribuído no poema ou no afeto ao cão
que não restaura tua inação .
Você sabe o certo a fazer .
Nunca é difícil o certo a fazer .
Não é um poema de amor pra você
Te amo tanto quanto te desprezo .
Tuas palavras banais , teus conceitos fetais tuas ações boçais
não conseguem salgar o doce
do gosto superficial e sublime
de cada gesto teu
que me deslumbra
e ultrapassa toda linguagem
ao alcance da razão.
Te amo tanto quanto me desprezo
ao te amar .
Tua superfície escancara um fundo
onde não me reconheço
e revira todos os meus conceitos
que se evaporam ao sol do teu encanto
que queima meus olhos embevecidos
com a própria cegueira .
Te amando amo não me entender
Tento ver teu fundo
e só enxergo o abismo
do que não sei de mim:
o abismo do que não sei
do que desejo em ti .
Amo em você não me reconhecer
Amo em você
destroçar minhas certezas
Te amando mato cada princípio lógico
que em mim habita .
Te amando
sou um cemitério de certezas
que apodrecem na Ressureição permanente
do teu cadáver que teima
em viver em mim .
Amo em você o princípio de me odiar :
Odiar a casca que envolve o narcisismo estéril
do que penso saber de mim , dos outros , de você , de tudo .
Tudo em você me convida a uma pergunta desesperada
que jamais respondo
sobre
a fundação do meu desejo ,
do meu sentido de viver ,
do meu precário sentido
de não querer morrer –
por teu desgraçado encanto
que me faz querer a mim mesmo sobreviver
Amo sobretudo minha rejeição fracassada
em tentar não te amar mais
nos odiando e amando
para fugir de toda tediosa paz .
Fora da tua casa
Ninguém vê de fato a própria miséria . Enxerga , passa os olhos sobre o que dilacera a visão e caminha sobre a indiferença. Joga alguma esmola que suborna uma tentativa de mudança.
Ninguém vê de frente a própria indiferença . Enxerga de lado a impossibilidade de curar a miséria de tudo , a impossibilidade de curar seu fundo.
Mas a miséria não tem fundo . A miséria não tem casa para ficar , se proteger do medo do vírus , a miséria não se protege da morte ; e a morte vive caminhando ao largo dos lares que berram seu silêncio.
A todos tu mostras teu amor burocrático , distribuído entre os teus e a boa intenção voluntária de salvar o mundo , sem nenhum risco
de esbarrar num miserável , sem trabalho , preso à liberdade de morrer fora da tua casa , onde tua boa intenção abraça a vida invisível , sem risco , sem coragem.
A todos tu mostras teu amor covarde , que abraça o mundo e não toca um único ser ; teu amor covarde que não estende a mão a um único trabalhador trancado fora da tua casa ; trabalhador que rejeita a esmola do teu ideal ,trabalhador sem trabalho que tantas vezes é esmagado pela esmola de teu ideal.
A todos tu mostras o amor covarde por toda segurança que esmaga a liberdade que também não é a tua : porque tu também te aprisionas ao teu poder de esmolas indiferentes que impedem a fuga da miséria dos que fogem do conforto do teu lar .
Nascer não acaba
Nascer não acaba:
o parto é permanente:
nasce novamente
a mãe no esboço do filho
e em seu desenho sempre inconcluso
que foge à sua carícia.
Nasce um novo feto sempre incompleto
do abandono da mãe. Do abandono à mãe.
Nasce a cada abandono sucessivo
um novo parto doloroso
de permanente nascimento:
nasce no desejo a vontade
de renascer nos braços de quem se ama
que abraça o feto de sua intenção
como quem embala
o sono da morte
a fim de que ela não acorde.
Desperta a morte que vai parir
a ressurreição permanente
de seus filhos
no desejo rejeitado
no abandono consumado
no afeto derrotado
no ideal destroçado
que sempre renascem
embalados
pela morte ausente
que os aleita:
morre a morte
permanentemente
no olho da criança
que reconhece a mãe que o alimenta.
Morre a morte
no abandono que se inventa.
Nasce na memória do que não foi
a esperança que se tenta
no filho da ação incompleta
que nos alimenta.
Nascer não acaba.
A todo tempo
a morte é quem desaba.
O eterno abraço
O eterno abraço crucificado jamais consumado jamais interrompe seu movimento que libera a graça inesgotável de sua doação aos que o rejeitam .
A tentativa crucificada de abraço se consuma eternamente na intenção que acolhe toda tentativa de amável ação. Todo amor jamais consumado viverá sempre nos que o rejeitam na memória do amanhã que finca a carícia nas mãos espalmadas do carrasco . O abraço sempre negado do carrasco a quem se ama será sempre pregado pelo amor que o crucifica – e salva
Um eterno abraço crucificado ressuscita sempre da memória de um amor despedaçado.
Suicida potencial
Pensando bem , nada te motiva a viver. Nem o desejo que se encerra em sua imediata conclusão , nem a espécie que se perpetua que repete os erros da sua herança ,
nem o amor que se esgota no ideal
de sua imperfeição Nem no erro
que ensina a sabedoria da resignação.
A vida não se salva . Portanto , suicida potencial ,
escolha melhor o que te acolhe : o desamparo
é teu chão . Nele tu crias a tessitura de um sentido que te embala. Nada é fixo . Esta tua pulsão :O pulo do precipício é segurado pelo abismo onde mergulhas no olhar do teu filho ; os pulsos que tu cortas cicatrizam no perdão à facada do amigo ; o tiro que explode tua consciência é implodido por te saberes parte do universo que não se explica – onde crias teu sentido . Sentido de amar o áspero que arranha teus pulsos em busca de uma cicatriz que vai curar outra chaga de um irmão a quem acolhes
em seu último grito que se converte em choro de feto renascido em comunhão .
O precipício que te atrai busca uma mão de um outro suicida potencial que te reconhece no abismo . Montanha de semi suicidas irmanados formando uma humanidade que suicida a morte .
Pensando melhor , sentindo melhor , nada te motiva a viver . Mas o nada não existe : é um artifício criado pela vida que te empurra contra o suicidio impossível onde escolhes viver costurando teu desamparo na cicatriz de outros pulsos onde beijas teu sacrifício onde mergulhas no precipício do princípio de um outro que costura tua morte à vida que jamais te abandona.
Deslimite
Para o que importa Todo limite é uma ilusão . Teu olhar esbarra ate onde o mar se esgota e prossegue um oceano onde naufraga tua limitação . teu olhar se esgota no céu azul que esconde as galáxias que tua imaginação ilimitada calcula na ciência infinita do que teu toque não alcança . Tua morte prolonga tua vida na memória que recompõe o afeto que derramaste nos que sobrevivem à saudade que fincaste nos corpos onde ficaste. Não há limite para o amor que se calcula em sacrifício , que se derrama para as beiradas de quem o ignora e crucifica . Não há limite para o abraço crucificado em permanente doação aos limitados olhares abençoados e ampliados por ilimitada paixão .
Para o que importa todo limite é uma ilusão Calcular um limite provisório ,do teu corpo , da tua mágoa , do teu ódio , até onde finda o abismo de sua sujeição , recompõe o infinito do teu tempo que se projeta – no segundo de uma boa ação – em eterna oração.
A construção da espera 3
Esperamos.
Esperamos por uma vida melhor
mas não perfeita . Que a perfeição
é o fim de toda espera .
Esperamos a cura para
a doença que revigora
a ação de nossa espera
Esperamos nunca nos curarmos
da paixao de nossa entrega
mesmo que nada esperemos em troca
a não ser o presente permanente
do sacrifício a quem amamos .
Esperamos o perdão do amigo
que nos estaqueia . porém antes
perdoamos fechando a cicatriz
da espera .
Esperamos nos libertarmos
a fim de escolhermos
nossas próprias prisões móveis :
pessoas ideias ideais
a quem apaixonadamente
nos encarceramos.
Esperamos o beijo negado
da mulher amada
para em outra boca
sentir o sabor furtivo
da traição de uma quimera.
Esperamos no filho
a perpetuação de nossa espera.
Esperamos o que queremos
mas esperamos mais :
um outro querer mais maduro
que reinventa nossa espera :
Esperamos querermos sempre além
do que pra nós desejamos:
Esperamos nos ofertarmos
no que sonhamos
Esperamos no sonho negado
a realidade de uma outra espera .
Esperamos sairmos do lugar
onde não saímos de nós mesmos
para abraçarmos uma aglomeração
de esperas em cada olhar , gesto abraço
de um outro a quem nos entregamos
por quem em ação continuamente presente
nos sacrificamos .
Esperamos jamais morrer
em cada ação de afeto
onde ressuscitamos.