professora

”Você não sabe o que é amor”,
me disse,
com didático desprezo
passional,
como quem se ensina
a odiar

”não sabe o que é estar junto”,
já me atando o nó
da distância
que caminhava
o aprendido

e nada mais
sempre disse
com afirmativa
indiferença.

Promessa

Promessa

Eu prometo jamais prometer
a infidelidade de toda promessa
Eu juro que toda promessa é fiel
à intenção ao sentimento à circunstância
em que é concebida
Juro que toda promessa se trai
que toda circunstância sentimento intenção
são sempre fiéis ao momento
de seu nascimento
Juro que o momento é fiel
à traição do tempo
em que se esvai
que o momento se perde
na mentira bem intencionada
da promessa que se trai
Prometo jamais prometer
e mentir sempre
sobre toda palavra
com a melhor das intenções
porque toda palavra se trai
no todo
que ela quer dizer
toda intenção cai
no todo
que quer oferecer
mas todo sentimento
se vinga
em querer não morrer
e mesmo morrendo
prometendo
jamais querer se perder
Eu prometo
não matar a promessa
de não querer morrer.

O santo

Respondo à bofetada
com o afago do rosto
que acaricia a mão da ofensa

Não respondo o mal
com um bem
que o mal é uma ausência
que se toca
em sua ignorância pegajosa
que cobre a placenta
de seu feto natimorto

antes embalo o feto
que ora morto
viverá para devorar
a vida do filho que o adota
( mas vida não se esgota
nem na morte que o aflora)

Beijo o mal
como à ausência
de uma boca que me nega

Toco o mal
com o desespero estático
de um desejo que se embota

Acaricio a bofetada
como uma fome
que me implora

Torturo o mal
que de mim se emprenha
Sou o aborto vivo
que da morte desdenha.

Manual prático do amor

O que se ama é um estado de amar
não alguém , não algo.
O que se ama
é a criação
da vontade de algo, alguém
esboço do ideal inclemente
que mata o idealista
sempre assassinado
por sua póstuma ressurreição.

Ama-se na pedra bruta
a escultura que se esconde
ama-se na estátua revelada
a espera por seu movimento

O que se ama
é a falta tátil
que mora na procura

Realiza-se o sonho
no sono da realidade
de onde jamais se desperta

Não se ganha
não se rejeita
ou se é rejeitado
no que se ama
onde se sonha
a vontade da falta

O que se quer do real
é que ele desabe
qual estátua
que exploda em construção
à pedra bruta
da vontade insaciada
de sempre mais amor.

A psicanálise no divã

Nenhum ajuste
ocupa a ausência
de um braço amputado

Nenhuma adequação
satisfaz a vontade
de um outro braço
do corpo que o perde

No entanto
nenhum corpo se basta
completo que seja
sem outros braços
que o abracem
ou olhos e bocas
que o sintam
na ânsia de algo mais

No entanto
todo algo mais
é tão menos
na masturbação coletiva
de tantos abraços
que envolvem e acariciam
um ego

Nenhum ajuste
jamais ocupará
a fome do milagre
a ausência do milagre

No entanto
o milagre é tão presente
e insistimos em não abraçá-lo
por excesso de braços.

Na cara

Por sinceridade
seja um pouco hipócrita
pra enganar a arrogância
de tua certeza absoluta

Por honestidade
minta um pouco
pelo franco prazer
de dizer à verdade
que ela não se basta.

Jó revisitado

Nem é dor
é algo menor – e pior:
a calma estática de um vazio
que se toca e me devora

Não é o mal que dilacera
É o médio que me aflora:
o meio termo
dos sorrisos estéreis
que se riem
do deslugar que estão
do nada que são
e se abençoam
maldizendo
toda palavra nova

É o gozo do circo sem pão
que vomita sua miséria
na fome da bactéria:

o cair suspenso
do heroísmo brotado
na vilania de uma ação

o despercebido herói
infenso
ao sentido do irmão

É um querer algo
que por se querer prazer
se assemelhe à dor:
como flor que desaflora
esperando pela raiz
que a implora.

O espelho

O espelho não diz mais
de como não me vejo
ou me escondo
do reflexo
de como minha imagem foge
da realidade que me invento.
( eterno instante sem momento)
O espelho realiza
a cegueira tátil
do que não se toca:
imagem em dissonância-
reflexo invertido
ao desalcance do desejo.
Reflexo reflete
o que se mostra
e não se pensa
e não se sente
como corpo do vidro
que não se abraça.
O espelho não me olha:
reflete o que não percebo
e não sou
no instante
em que não te vejo.

Maratona

Correr
de um dia a outro
atrás do tempo perdido
do gesto passado
à frente
do momento esgotado
que a perda avança
sobre seu fim
que sempre principia.
Esgota-se a perda
que esta corre
escapando ao toque
fugindo à visão
amputando as pernas
que sustentam sua parada
que se deita imóvel
na memória que corre
em sua contemplação recorrida.
Veloz
esgota-se o ganho
no prêmio
de sua impermanente parada.
Correr
de algo
atrás
de algo
de si
através
de si
Correr dos pés
atados à sombra
que corre contra
a velocidade da luz
que ilumina sua queda.
Correr
à sombra da inércia
do sentido da corrida.
Cair
de encontro ao chão
que sustenta a gravidade.
Cair
de encontro à mão
que te ergue-
veloz promessa
de eternidade.

Passagem

Passo por entre passagens
passo inconstante por onde fico.
Pessoas e paisagens me passeiam
por onde me ultrapassam possibilidades
por onde me fica
angústia e ansiedade.
Pessoas como paisagens me atravessam
onde permaneço paisagem
em espera em descompasso:
ideias palavras ações
trespassadas
por ligeira imobilidade.
Tudo tão breve e perdido
tão ganho qual promessa passada
de eternidade.
Passo no futuro
ideal de passagem
passo no passado
punhal de insaciedade
agarro o agora
qual presente impermanente
que eterniza
a brevidade.
Caminho, pisoteio a passagem:
passeio no sempre da miragem.