Balada do fantasma patético

Choro por tua ausência
Que me desespera
Choro por tua presença
que me dilacera .
De vingança por meu desejo
sempre insatisfeito
juro que morrerei De Amor
e volto pra te assombrar toda noite
e te espiando nua no banho
Chorarei como as águas
que escorrem por teu corpo
E não tocam tua alma .
Juro que me vingarei
dos teus olhos que nunca me viram
te amando
pela eternidade da tua indiferença .

Dividido

O país anda dividido
Ninguém se olha sem mútua desconfiança. O ódio civilizado escorre pelos silêncios que gritam a ignorância da indiferença calculada.
Civilizado apocalipse , pais não reconhecem filhos , mães mordem seus úteros , amigos se partem em bolhas que murcham em solidões coletivas. Ainda amo as penugens das axilas da feminista que castram minha distância . Ainda amo as divisões que nos aproximava.
Ninguém sabe direito porque se dividiu. Nascemos partidos e procuramos alguma parte que complete nosso desencaixe .

O pão segue sem divisão . Ninguém por ora parte um pedaço da sua carne para cicatrizar um vazio que jamais se esgota . O vazio nunca se esgota na fome de um outro que jamais se sacia . É este vazio que nos amamenta .

Nos dividimos pra nascer: o útero da mãe não mais embala o sono de nosso conforto. Mas nunca do útero partimos: Nos unimos pra viver : o sono do desejo desperta a vontade de a outro corpo sempre pertencer.

O país anda dividido. E você , mísero feto partido , aprenda a andar rumo a um útero que estranha e desconhece
a fim de poder renascer .

Para além do momento

Um gesto ou palavra
jamais voltam no tempo .
Um bicho não se sabe mortal e vive eternamente
preso ao momento .
Mas você animal racional sabe
que um gesto ou palavra
corrigem um erro no tempo,
projetam um tempo melhor
remendam o tempo.
Você , animal racional
que se sabe mortal
é o único capaz
de corrigir seu tempo
para além do momento

Balada do falso mau

Todos são mais felizes que eu.
Todos são mais simples , virtuosos e contentes
que eu .
Por inveja e ressentimento
trabalho para a construção
de uma realização que ultrapasse
o prazer frágil
de uma felicidade que se esgota sozinha,
Firo cada felicidade isolada
da frágil morada humana que
carece de abrigo e comida
e se alimenta da fome do vazio
que desconhece dos miseráveis felizes
que habitam um sonho estéril .
inauguro uma fome para além da boca.
Abro uma boca que devore um apetite
para além do gozo e da saciedade .
Inauguro um afeto para além da carne
do filho
torno filho por adoção
o aborto que renega sua família
torno família quem renega sua humanidade .
torno humano quem vai além de sua carne
e olha na poça da sarjeta o reflexo do ceu
que o desaba .
Sádico , saboreio cada dor como antepasto
de um prazer maior que vai inaugurar a beleza de um urubu mais pleno
que não só devora a carniça
para limpeza dos olhos humanos
mas revela a beleza da carniça
que enxerga a podridão como
caminho para a redenção.
Por desprezo à felicidade
cercada por muros
me crucifico
para além do prazer
dos felizes que
não percebem
a virtude da miséria ao lado.
Terno , beijo nos olhos do canalha infeliz
sua bondade castrada .
terno , arranco do fígado do feliz
sua miséria entranhada.
Todos são mais felizes que eu.
sem saber o que é um feliz ,
sofro contente reconstruindo
uma alegria difusa
em minha nossa humanidade
desencontrada .

Sem fim

O ano acaba ,o dia acaba , o mundo acaba , tudo acaba pra recomeçar outra vez. De nada adianta o desespero do suicida cuja esperança de menos dor em outra vida enterra sua morte . De nada adianta o sono do deprimido que desperta seu sonho que adormece seu desencanto . Nenhuma doença do corpo , da alma cura uma doentia vontade de viver , desde o vírus que se alimenta da morte até à certeza da morte que alimenta a fome de cada momento mortal que se tatua na memória de algo mais .

Mesmo o ódio se alimenta como paixão à rejeição de amar. Não acaba a indiferença no peito de quem não é visto por quem ama e não acaba a esperança de amor pelos olhos que não te enxergam . Nem se acaba a cegueira que se alimenta da sede eterna de tudo que não vê e toca .

Esperanças contrariadas não resistem ao terno olhar de um cão que restitui uma humanidade perdida . Um meteoro , pandemia que destrua a humanidade restitui a ternura da espera de outra espécie tão mais primitiva que engula o risco de viver sem a máscara de um falso fim . Nao se acaba a flor na eterna memória de sua beleza que espeta a mão do curioso que não sabe tocar seu encanto .Não acaba teu trabalho , teu tijolo posto no lar de quem te abriga e não vês . Uma formiga não se acaba no DNA de seu trabalho pelo bem do outro . Não acaba você na carne do teu filho ou mesmo na memória de quem te olhou e nunca te viu com os olhos de promessa que você coroou . Nem mesmo se acaba a dor do não vivido na memória lírica e desesperada do quase ou não acontecido. Um desejo jamais saciado se projeta eternamente como o que poderia ter sido e jamais se acaba . O projeto da humanidade é um desejo jamais saciado que jamais se acaba .

À sombra do universo em expansão que explodirá um dia , brotará outro , mais primitivo ,sem a consciência humana que o defina , e outra espécie em algum planeta periférico aprenderá tudo de novo , com os mesmos erros até jamais se acabar onde um dia a sombra da terra ressuscitará em algum espaço dobrável do tempo em algum buraco negro que vomitará e dará à luz toda a memória de um mundo que jamais se acaba.

Contra a covardia

Contra a covardia

Não há medo que sobreviva
ao cotidiano enfrentamento
da falta de sentido .
Não há falta no sentido que se cria
Na doação sem cálculo .
Não há morte para a cotidiana ressurreição
Que rompe todo nada que tenta nos envolver .
Nada há que não seja criado :
Cria- se a justiça
, produto calculado do amor
que nos cria sem cálculo
a fim de destruir nossa íntima anemia .
Ao covarde resta a coragem
da anulação da epifania :
uma palavra , um gesto um ato
tudo é subvertido pela covardia.
Mas a criação desta noite
nos serve à esperança
do nascer de um novo dia .
Nenhum silêncio nos cala
Nem palavra maldita nos fala .
Nada há que não seja criado :
Desnatura – se a natureza :
tiramos da boca da nossa fome
O gosto da misericórdia
Com que alimentamos
a insaciada covardia
que busca nos devorar .
Saciamos nossa fome de perdão
Ressuscitando a quem nos quer matar

O que fazer

Nunca sabemos exatamente o que fazer
Porque nunca sabemos exatamente
o que é viver .
Mas fazemos e vivemos com a matéria
do que somos feitos .
obrigados a fazer
um sentido de viver.
Fazemos um filho , construímos uma criança
Lapidamos uma pessoa que nos constrói
e eleva
acima de nossa imprecisão .
Fazemos um sorriso em alguém
pelo simples gesto de delicadeza no escuro
que acende a luz dos olhos
que nos fitam e iluminam nosso olhar
para além de nossa cegueira .
Reproduzimos gestos ações
que serão filhos eternos na história
de quem nunca enxergou nossa dúvida .
Nunca exatamente sabemos o que fazer
mas sair de nós mesmos em direção a alguém
nos ensina o simples sentido de viver .

Acordar

Acordar
Erguer as pálpebras para um sonho real
Saciar o corpo com um café que esgota sua sede como o sonho que se esgota na boca
de sua consumação.
Acordar
Esgotar o sono do sonho que sempre se acaba em sua saciedade .
Provar o sonho de alguém
a fim de tornar menos amargo
o iminente fim do gosto do café
que se torna amargo em um solitário paladar
que sempre se cansa de seu sonho engolido
que se torna sonho fugido.
Acordar
Provar o gosto do café
na boca de quem se tenta amar
pra tentar voltar a sonhar.

Reconciliação

Sonhei que me reconciliava contigo . Recompunha e refazia
os gestos nunca dados
desperdiçados
na ausência de todo afeto envergonhado –
gestos espalhadas no chão da inação.
Recompunha o tempo perdido
no silêncio voluntario que
agora ergue o orgulho
E edifica a mágoa .
Sonhei que falava a simples palavra nunca dita que
erguia a ponte para você.

Todo o simples movimento de uma palavra não dita era consumado com a simplicidade de quem levanta uma história humana com
um mero olhar que recompunha a visão
sobre as poucas coisas que importam . Sobre as poucas coisas que existem .

No sonho , esparramadas ao chão
as falhas de comunicação
eram a ponte onde pisávamos
pra chegarmos às nossas mãos.
Mãos que agora esculpiam a reconstrução constante do que se perdeu em nós: alguma palavra que nos sustentava , ideia que nos embalava , amizade que nos atravessava .
A escultura da perda se arrebentava no sonho onde a realidade ainda berra
pra chegar à construção constante
de uma realidade entre nós.

Acordei e agora esculpo o ar
onde retomo tuas mãos perdidas
onde toco os gestos onde nos perdemos
onde arranho os gestos futuros
em que nos tocamos
onde o monumento do tempo
vai se destroçando aos poucos ,
indiferente ao sonho
tão próximo à realidade .

Alguma luz

Alguma fresta sempre deixa
alguma luz clarear
os contornos das formas na escuridão .
No sono , algum sonho esboça
um traço de realidade possível.
No silêncio imposto , alguma palavra grita
na ponta da língua , prestes a explodir
como um beijo que cala a boca do carrasco.
No abandono , na rejeição , na censura ,
no fracasso
alguma memória do que poderia ter sido
se projeta para sempre na esperança
que se espreita na sombra solar
da ação
que queima toda frágil treva do presente:
formas na escuridão se revestem
de alguma fresta que dá à luz algum
esboço de vida que teima
em jamais desaparecer .

Alguma fresta sempre deixa
alguma luz clarear
os contornos das formas na escuridão .
Olhos fechados e cores turvas teimam em negar a cegueira impossível .
Na sombra de nossas formas ,
tateamos a luz que entra na fresta
por onde enxergamos a esperança nascer .