Choro por tua ausência
Que me desespera
Choro por tua presença
que me dilacera .
De vingança por meu desejo
sempre insatisfeito
juro que morrerei De Amor
e volto pra te assombrar toda noite
e te espiando nua no banho
Chorarei como as águas
que escorrem por teu corpo
E não tocam tua alma .
Juro que me vingarei
dos teus olhos que nunca me viram
te amando eternamente
na eternidade da tua indiferença .
Reflexo
O espelho se veste da tua imagem refletida .
Ideal que nunca te toca . Você ama no outro
o abandono da tua imagem intocada.
Amar é esta tentativa
de toque num outro
para além do reflexo intocável de si
mas o amor também tantas vezes intocável
no aço intransponível
da imagem do outro
que mora
do outro lado do espelho.
Você reflete
a vontade de amar:
Você é o espelho nu
que veste o desespero
de querer tocar
o que se quer a
Indiferença
Em nada o universo se importa contigo
Em nada teu patrão se comove
com teu trabalho
De nada tua primeira primeira namorada
se lembra de ti.
De nada o mendigo ou amigo
se lembra do sacrifício da tua doação .
De pouco a nada hão de lembrar
da tua existência quando não mais aqui estiveres
ou mesmo quando ainda aqui
caminhares .
Caminhas sobre a indiferença
de tudo que não te olha.
De tudo que deixa de te olhar .
Mas o universo , este que nunca te percebe
só existe por tua consciência
Dele – que te ignora .
O que sentiste por quem não te vê
repousa no esquecimento do que
nunca deixará de acontecer.
Tua doação , tua esmola sem cálculo
será tua vida esquecida
que pesa nos ombros do mundo
como uma eterna pluma que o define.
O eterno entedia
O eterno entedia.
Dou graças pois morro todo dia
Desejar a todo tempo teu olhar
cheira a coisa fria .
Bendito desejo morto que esfria
como cadáver boiando ao mar
de um pescado a se devorar
O eterno entedia .
Imortal é o véu que nega
o pedido infiel que eu me fazia .
Imortal é o tempo que me prega
ao vento , ao provisório fim
que sempre me sorria.
O eterno entedia.
Dou graças ao tempo fatal
que mata a esperança meretriz
e da à luz o aborto do mal;
a este instante feliz
que fugidio me excrucia.
O eterno entedia .
Maldita felicidade eterna
que impede a mansa escuridão
que fecha um velho dia .
maldita felicidade eterna
que não ilumina o tato como guia.
O eterno entedia.
Deus me livre do céu.
Que eu viva o terno instante ao léu
tatuado no constante
esquecimento
que ressuscite um novo dia.
Não sei bem o que sinto
Não sei bem o que sinto .
Finjo sentir bem a fim de melhorar
o que sinto .
Se desejo , creio que amo .
Se amo como permanente doação
anulo o desejo .
Se misturo , me perco
e me escravizo ao que creio querer .
Então finjo .
Finjo gostar para além do que quero
a fim de querer gostar do presente invisível
que a realidade me oferece
Finjo ser delicado
com tudo e todos que creio não querer
a fim de que meu querer ultrapasse
sua ignorância .
Aninho o que não sei
a meu respeito em outro corpo estranho
como abraço ao que estranho em mim.
Sou a sombra da tentativa de me enxergar
em outros olhos que desconheço .
Tudo se estranha em forma e conteúdo :
Uma estupidez se faz delicada
como um doce carrasco
que ataca tua honra
como principio de justiça.
uma sinceridade ofende – mas mostra-
teu erro como generosidade rude
que te abraça mordendo tua chaga.
A mesma sinceridade não reflete
aparente transparência do seu portador
onde transparece ressentimento do abraço que te esmaga
O amor toma a forma de quem ama
generoso na aparência da carência
do seu portador
calculista na intenção de retorno ;
opressivo e controlador em forma de
Cuidado.
Não há amor
que não sufoque a coisa amada .
Desconfio da minha intenção
como um santo que em sua oração
se põe a pecar .
onde o gesto real da doação?
Então calculo minha doação.
A fim de interpretar tão bem
o cálculo
a ponto de amar a ação fingida
de me doar .
Finjo mesmo o cálculo da confiança
em quem quiser me apunhalar.
Finjo por me saber miserável
que espelha a miséria comum
da nossa ignorância em não saber
nos encontrar.
Experiência
O não vivido deixa um rastro
à sombra que ilumina a memória da inação.
Os lugares que não frequentamos
nos habitam eternamente em busca
do teto que protege do que não enxergamos
que falta .
As pessoas que não escolhemos
as conversas e toques que não tivemos atravessam
o que deixamos de ver e por nossos olhos cegos enxergam o nada
que tocamos .
O não vivido deixa um rastro de afeto inacabado sempre presente na ausência
de quem nunca nos separamos .
( mesmo aquele que por descuido não amamos )
Morremos cotidianamente na vida não vivida
em cada cuidado destroçado , palavra não dada, gesto desperdiçado , olhar atravessado, sono alienado .
Escolhas nos matam e nos empurraram
a uma ressureição cotidiana
de bilhões de hipóteses enterradas
que nos sobrevivem .
O não vivido é como uma prótese
enxertada na memória de
tudo em nós e por nós abandonado
O não vivido nos completa
em nossa eterna morte incompleta .
Ciência e vida
Temendo a morte , o senhor passa de máscara só , no meio da rua .
A vida , sem mistificação ,
ronda seu cuidado .
A terra , só , no espaço , passa flutuando
ao redor do sol.
O espaço , sem ciência , ronda o tempo , indiferente
ao senhor de máscara .
O vírus , sem ciência , mistificação
ou justificação
ronda sem cuidado o senhor de máscara
e de cuidados redobrados.
Há 0.2 por cento de chance de morte no ar.
Passando pelo senhor , Um mendigo ,
sem máscara , seminu , sem ciência da terra , do vírus , da morte, dança só ,
ao redor de si mesmo,
sem razão aparente ,
sorvendo a luz do sol
que banha sua imprudência desmascarada. Há 99,8 por cento de chance de vida no ar.
Reality show
As paisagens se atravessam:
pessoas , ideais , sonhos se cruzam
onde falsamente abandonamos
como sombras atadas aos pés .
Nenhum olhar se perde
Nenhuma pessoa se perde
Nenhuma palavra cai
nenhuma intenção se esvai.
tudo se tatua para sempre
na memória do acontecido
tudo se projeta para sempre
na memória do intuído
nada se cicatriza
na memória do desejado
e não consumado.
Não há resto por onde passamos .
O caminho que trilhamos
nos atravessa eternamente.
Não há leveza onde nos escorarmos:
tudo nos pesa : uma boca um erro
um aceno um desvio.
Nem adianta sumir: os espaços ficam
na lembrança do caminho
por onde nos escondemos .
Nem adianta dormir ou mesmo
se suicidar:
a história fica lá
entranhada por onde nos percebem
sempre com este traço de equívoco
que coroa a sublime ignorância
de jamais nos sabermos
e indefinidamente estarmos
em tudo que fazemos e deixamos de fazer .
Não há desmemória que durma o fato
de para sempre estarmos acordados
neste sonho estranho
onde somos- por todos e nós mesmos
sempre gravados.
O juiz
O juiz publica sua sentença :
condena o réu pelo crime
do próprio juiz
que se absolve
na carne do inocente
que massacra.
Um falso condenado
pelas mãos do verdadeiro culpado
vaga na prisão na memória do juiz
que prende e tortura outro corpo
a fim de liberar sua culpa.
A vaidade do juiz anda à solta
amordaçando a justiça em seu nome
A democracia do juiz não se deixa tocar
pelo povo que mancha sua toga
A liberdade do juiz
oprime o povo
que clama por ela .
O carrasco a mando do juiz
fecha os olhos para a culpa
de suas mãos
que estrangulam a verdade
que brilha nos olhos do cadáver inocente
que assassina.
Contas a pagar
Contas a pagar . O imposto sobre teu trabalho que cai na conta de quem te rouba . O imposto sobre teu afeto que cai na conta de quem te ignora . A gasolina que aumenta e o teu entusiasmo combustível que diminui com A luz tão cara que não paga a treva do explorador que não vê a razão do teu trabalho. A boca do teu filho que alimenta a razão do teu trabalho . O preço do feijão que alimenta tua barriga que ronca pela fome de sentido do teu esforço repetitivo . O caro aluguel que não cobre a moradia do silêncio que te povoa ; o aluguel que não cobre as solidões que habitam as falhas de tempo e comunicação com quem te cerca ; o aluguel que mora no parceiro ressentido que mora no roubo do teu sucesso . O preço invisível pela doação ao parceiro que te trai . O salário impagável da doação do teu suposto fracasso pelo sucesso da empresa humana . Teu cão que ignora tuas contas e só cobra o afeto impagável da tua companhia