Caminhamos

Caminhamos.
Pralgum canto indefinido.
Passamos por pessoas , encruzilhadas , caminhos
que criamos que justifiquem
nossa jornada.
No meio do caminho
Àlguma mão nos apegamos.
Mesmas mãos que muitas vezes
nos empurram para o nada.
Mas nada nunca há
pra além da queda
do chão que nos embala.
Caminhamos sobretudo
por sobre nossa queda estatelada.
Pé ante pé , retomamos -ao léu –
o caminho à outra mão
sem muito perceber que
espalhada ao chão
uma poça refletia o céu.
E seguimos a caminhada
Pé ante pé
presos por gravidade
ao chão
seguros na busca pela mão
que ilumine nossa morada.

Peça

Interprete um amor. Finja.
Calcule cada ação palavra
olhar movimento.
Dedique – se à peça como
um ator profissional.
Até gostar do texto
e se apaixonar pelo papel
a ponto de perder o limite
da ficção e realidade
e amar seu amor inventado.
e se fundir ao personagem criado.
Tudo o mais é ensaio
pra esta peça fundamental
deste amor diariamente encenado .
Deste amor cotidianamente criado.

Isolamento

Talvez eu te ame mais
por me isolar de tudo
que não seja você.
Talvez eu te odeie mais
por me isolar de tudo
que não seja você.
Mas tudo não existe
para o pouco que experimentamos
de tudo na vida .
O acaso nos limita.
Nunca conhecemos o bastante
tudo e todos para uma escolha isolada.
Sempre falta algo
em tudo que não temos
em tudo que nunca conheceremos .
Mas tudo é uma aparente falta
que sofremos.
Tudo é construirmos o amor
ao acaso de quem encontramos
em nosso ínfimo caminho.
Tudo é alargar o caminho ao infinito
em você , que eu decidi amar,
com quem eu decidi caminhar
e me isolar
de tudo que não seja
querer te amar.
Em você, por você
eu conheço
toda a humanidade
que decidi amar.

Epopéia de uma opinião

Opinião . Tenho algumas .
Várias sobre um mesmo tema.
Todas as opiniões em busca
de um sentido ,
como uma mesma paixão
a percorrer o corpo , o olhar , a voz
de várias moças. Com a vantagem
de nunca jamais ser rejeitado
por qualquer opinião.
Algum sentido de verdade
na opinião , como o breve prazer
do beijo que se recolhe na memória
até o caminho de outra boca
em espera.
A opinião gera frutos , filhos ,
fatos reais –
mesmo de paixões duvidosas .
Gera ações reais ,
mesmo de paixões pagas
e mentirosas.
E então tu te obrigas a amar –
para sempre – o fruto da tua opinião.
Eis o sentido da vida: a crença
e o exercício do amor ao fruto –
um beijo , uma breve paixão ,
,um filho , breve ciência de várias
Hipóteses testada – da tua opinião –
agora eternizada
no vento imortalmente passageiro
da tua ação consumada.

A criança cega

Foi vista a liberdade
perseguida e acuada nos becos
violentada em nome
da saúde pública
e segurança nacional.
« é pela vida «
diziam os que a surravam.
Foi vista mas ninguém a percebia.
« é pra sua segurança »
diziam os Carrascos
que encenavam ao público mudo
o espetáculo.
Arrastada em praça pública,
nua, torturada , imobilizada,
a liberdade estrebuchava seu
quase cadáver à vista
da indiferença calculada
dos transeuntes
que por ela passavam.
« é pelo amor « , diziam
seus espectadores passivos.
Uma criança, cega ao espetáculo,
tocou a liberdade.
Os transeuntes desesperados correram assustados pela Ação da criança infectada.
« está doente « , gritavam.

” é por mim e por você « Disse a criança à liberdade -que lhe sorriu.

Risco

Estendo a mão e atravesso
o teu toque proibido:
pela distância, pelo tempo,
pela aparente liberdade
de olhar no céu uma estrela
e tê-la ao alcance da mão
e à distância da ilusão.
Toco tua mão e nos limita o toque
onde não chegamos
a uma mútua compreensão.
Nos abraçamos na impotência
de qualquer profunda comunicação.
Não importa:
teu toque proibido , agora perto
me queima como o suicidio
de tocar a estrela antes distante
e pensada
que ora me queima
o corpo a vida a intenção.
Ouso o crime de te tocar
como à estrela vista e distante
que incendeia minha intenção.
Ouso o crime de te tocar
como ao vírus mortal e invisível
e nos abraçamos
em criminosa e deleitável
e recíproca
infecção .

Parede

O outro é uma parede solida
Impermeável a um toque
mais profundo.
( melhor: não queremos nos cimentar no outro ).
Parede
que nos prende
ou protege do desamparo
– como uma casa.
Moramos no outro
onde decoramos nossas projeções
penduramos nosso reflexo
em seu olhar
pintamos nossa amizade afeto paixão
edificamos nosso futuro
Parede onde erguemos
nosso teto baseamos nosso chão
nossa desilusão.
Parede onde abrimos nossa janela
onde também soldamos nossas grades voluntárias de onde enxergamos outras paredes
que nos indicam outras moradas
Outros outros onde habitarmos
e nos prendermos em nossas
prisões móveis.
Mudamos de casa mas
um outro jamais deixa de morar
em nós .
Nós que também somos paredes
onde moram e se prendem
tantos outros que nos arquitetam.

Quarentena

Não posso te ver ou te tocar.
Apenas acaricio a lembrança
do que por você me permito esperar. Lembrança de cada gesto ,palavra olhar , movimento teu que tatuados na memória fincam a esperança de ainda um dia
poder te olhar, poder te tocar.
Há – mesmo no toque – uma parede que me impede de com você
me misturar.
Sempre te amei
para além da possibilidade
de te abraçar.
Me falta teu abraço , teu toque , teu corpo .
Me abraça e me move – à distância
tua sombra solar .
Eu amo a possibilidade
de um dia mais de perto
poder te amar.

Fidelidade

Certas verdades
mentem sua intenção.
Como a de querer te amar pelo tempo
que durar a verdade
de uma eternidade.
Mas mente a eternidade
de um sentimento
que morre
a cada instante de sua brevidade.
Certas verdades com tempo limitado
traem
nossa sincera promessa
de eternidade .
Decidir então querer te amar
vai além de toda verdade.
Querer amar,
amar a promessa do amor
rompe o casulo do tempo
E cria
uma teimosa e eterna verdade .

Engano

Enganar o tempo até a morte
é boa maneira de sobreviver à vida.
Um engano prazeroso
posto não haver prazer
que não se esgote em seu consumo-
assim como a vida mesma .

Talvez um filho que conceba
o prolongamento de uma longa espécie de horas acumuladas
de perseguição de um tempo
que não se esgota
de uma ação que não termina.

A imortalidade existe , é tátil e tediosa
no remendo ao tempo desperdiçado
em algum erro , algum desejo inútil
que se deixa cair e apanhar por algum outro gesto que remende
o tempo mal gasto , o gesto impreciso , a palavra mal dita.

O humano refaz seu tempo
e no tédio enganoso da recostura
vai se refazendo até vestir
sua roupa final que revelará
o princípio de sua nudez.
Enganar a morte até à vida
é boa maneira de sobreviver
ao tempo.