Eternidade

Teu filho repetirá o teu gesto
talvez de um outro modo
e o filho dele também
insciente da semelhança –
consciente 
de uma certa falta de acaso

Não tendo filhos, teu gesto
sobrará em algum outro corpo
com a mesma aparente falta de acaso
com que colheste o gesto
de quem nunca percebeste
e que agora te olha
e que agora colhe o teu gesto
zombando do acaso
em que caminhas.

Teoria da comunicação

Falo contigo
mas é como se encenasse
um discurso a fim de não me convencer
do que digo
como se tentasse escapar
de uma pretensiosa verdade
que insiste em solapar
todos os caminhos
que arruínam o sabor da peça.
Falo contigo
a fim de não dizer a mim mesmo
a chave do que existe.
Falo contigo
para nos encarcerarmos num segredo
que nos alivia da liberdade que nos asfixia.
Falo
porque a palavra
trancafia um conceito
e me liberta de prisão de um sentido.
Falo – contigo
porque palavra
nos aconchega em uma prisão
de uma quase mentira a dois
e nos salva de uma verdade solitária.

2018-05-16 03:02:00

       
  

Algo

Há algo por dentro que não se toca
que não se enxerga
e finge que não se sente
algo guardado para algo mais
que a superfície que engole
mãos e olhos que tateiam
o esquecimento
do que nunca se entendeu
do que se esforça
em não se entender
Há algo por fora
que se lembra do que mãos e olhos
já não conseguem tocar e ver
mas é algo tão furtivo
que se furta
o prazer mesmo de esquecer
o que nunca deveria
não ter acontecido
e esta lembrança passeia
em cada gesto
em que se desenha e ampara
no ar
uma perda que aparentemente
não se sabe ter .

2018-05-04 11:21:00

       
  

Filho

Entre nós
um cordão umbilical
se enrosca.
Frágil, dependo da tua dependência.
Caminho no desequilíbrio em cada tombo
onde nos ensinamos a caminhar.
Contigo pronuncio cada balbucio
que espreita uma palavra
que possa expressar
o íntimo afeto
o público afeto
a buscar a tradução exata
que nenhuma linguagem pode dar.
Contigo aprendo a desdizer
o que palavra desconhece
como poesia que subverte
e reinventa
a fala a língua
para reaprender contigo
meu filho
a nos amar.

2018-05-04 11:18:00

       
  

Filho

 

Entre nós

um cordão umbilical
se enrosca.
Frágil, dependo da tua dependência.
Caminho no desequilíbrio em cada tombo
onde nos ensinamos a caminhar.
Contigo pronuncio cada balbucio
que espreita uma palavra
que possa expressar
o íntimo afeto
o público afeto
a buscar a tradução exata
que nenhuma linguagem pode dar.
Contigo aprendo a desdizer
e reinventar
o que palavra desconhece
como poesia que subverte
a fala a língua
para reaprender contigo
meu filho
a nos amar.

Filho

Entre nós
um cordão umbilical
se enrosca.
Frágil, dependo da tua dependência.
Caminho no desequilíbrio em cada tombo
onde nos ensinamos a caminhar.
Contigo pronuncio cada balbucio
que espreita uma palavra
que possa expressar
o íntimo afeto
o público afeto
a buscar a tradução exata
que nenhuma linguagem pode dar.
Contigo aprendo a desdizer
o que palavra desconhece
como poesia que subverte
a fala a língua
para reaprender contigo
meu filho
a nos amar.

Resposta inexata

Sua boca muda me ensinou
o valor da palavra
que jamais expressa sua vontade.
Sua miopia, o desvio de seu olhar
me fizeram enxergar
a distância necessária para ver
o esboço do todo que se quer
e o detalhe mínimo
no tudo que se perde.
A ausência sempre imprecisa da sua perda
me acomodou à angústia
de morar na vontade sempre imprecisa
do que se ama
do que se crê amar
do que se inventa amar
a fim de solapar a criação meticulosa
do nada que nos cerca.
A presença sempre exata
da iminência da sua perda
me fez enxergar minha miopia
que calculou o esboço
do que nunca soube exatamente
sentir por você.
Assim permaneço a seu lado:
consciente de algum erro calculado de avaliação
de tudo a seu respeito
explorando em todos os lugares
o lugar nenhum
aonde me acho em sua sombra.

Miopia

Cabe uma remota invenção de mim
no seu olhar que eu amo
Cabe uma invenção de quem sou
no que você me inventa
e do que invento do que você me sente
Cabe minha perda no modo que você me olha
onde me acho no engano
com tão acertado erro
Cabe no desvio do olhar que você me nega
minha miopia em achar
que você me enxerga
Cabe
no modo como nos vemos
nos cegarmos
pela luz onde nos tocamos.

Luz e liberdade

A mosca livre circunvaga
ao sabor do encanto pela luz
da lâmpada que a matará.
Um homem livre circunvaga
ao encanto do desejo
que ilumina a escuridão
de sua origem
(algumas lâmpadas acendem o escuro
de uma visão por demais clara que não enxerga
as sombras que desenham o contorno
de uma escolha)
‘De nada serve a liberdade
sem a devida consciência
de seu uso’
diria um observador das moscas suicidas.
De tudo serve a consciência
do suicídio de ser livre
em torno de toda luz
pela qual morre um homem.
Um homem livre como uma mosca
circunvaga ao sabor do encanto de toda luz
que fatalmente o matará
que fatalmente o viverá.
A luz, presa à livre cegueira
da mosca e do homem que a imploram
enxerga algum fim
no propósito
que os devoram.

Eternidade

Um momento é eterno
na medida que a memória
o reconstrói sem jamais o tocar
traindo sua morte provisória.
Uma foto é eterna
na medida que a imagem paralisada
não se toca
não se deixa tocar
como momento morto
que ressuscita sempre
na eternidade fabricada
de uma ausência sempre presente;
de uma ausência contemplada
na fome eterna de uma presença
que escorre pelas mãos que tateiam
o desenho de uma falta
que se agarra aos olhos.