Quebra cabeça

Nenhum todo supera sua parte.
Não amo tudo que desconheço em você
mas cada parte tua que me desorienta
no que não sei do porque te quero :
Um olhar , um pé , uma sobrancelha altiva
que constrasta com teu sorriso gentil .
Em você , amo todos os pedaços que jamais
se encaixam em nenhum quebra cabeça .

Nenhum todo existe. Um planeta é parte de uma galáxia . Uma galáxia é ínfimo pedaço de um universo. Tua palavra de ódio , teu sorriso de afeto , tua lágrima de perdão escorrem em pedaços que jamais construirão todo um sentido .

Enxergo um pedaço . E amo um trecho de um caminho que jamais chegará a você inteira . Enxergo um trecho da história , de uma ideia , de alguém e sigo por onde me perco.

Uma parte espelha a criação de um todo. O quarto do filho que se foi redescobre o caminho da volta de um amor que jamais se perdeu .

Uma foto tua abraça a vontade de tua companhia.

Um mísero pensamento sobre o universo que nos ultrapassa abraça o infinito que sempre conhecemos – em sua ínfima parte que descobre a criação do todo:

O abraço em que te envolvo abrange todo o universo que desconheço – mas percebo – no fundo dos teus braços onde me deixo .

O Universo que nos envolve no pedaço de amor que nos deixamos é abraçado por todo Deus onde nos criamos

Mais que sexo

Uma dor penetra na outra .
Uma dor se derrama na outra
como um sémen que fecunda
a estranha misericórdia
entre corpos incompletos .
Nada tão excitante
Quanto a dor comunicada
entre dois corpos
A dor compartilhada
que rompe a paz tediosa
de um céu que desaba
na lama do desejo
em que nasce a flor de um
afeto cujo espinho finca
na carne sua cicatriz
que se abre à comunhão .
A miséria compartilhada
entre sombras de corpos incompletos
que se devoram se humilham
se desgastam num obsceno ato
de onde nasce um corpo misturado
que busca seu reflexo se emprenhando
da desamparada dor do outro.
Uma dor dói na outra
Uma dor suja limpa a outra
e de dores amalgamadas
Nasce um filho
que berra para sempre
as dores do crescimento
Ou um orgasmo
que suja para sempre
a impossibilidade
do vazio que
que se deixa penetrar
por toda dolorosa
tentativa de amor .

Ressurreição

A palavra que não veio
travada na garganta
sussurrada ouvida
na espera em silêncio
O gesto que não houve
desenhado na esperança
esboçado no tempo eternamente
por acontecer
O destino que não se cumpriu
nunca esquecido
na lembrança futura
do passado sempre refeito
pra caber na lacuna do presente .
O hoje que promete te perdoar
na ação do agora
que você tatua
na pele da sombra
da tua ultrapassada esperança
que se faz carne
em outro corpo
no gesto e palavra consumados
que abraçam teu tempo .

Nós os juízes

Eu julgo tu julgas
nós julgamos e somos julgados .
Todo o tempo . Condenados a julgar .
Se pensas , tu julgas . Se avalias , tu julgas .
Se olhas , tu julgas .
Julgas o juiz que te julgou errado
que tu julgaste errado
na tua turva avaliação .
Julgas o ladrão de quem roubaste
-pela indiferença – uma possível boa ação .
Pelo julgamento a um só tempo
involuntário e racional de um pedaço de corpo
pedaço de alma pedaço de carência
ou mesmo de um erro voluntário
nasce um veredito acertado
de uma prisão voluntária
de um amor perpétuo .
Julgados
por quem não somos
por quem cremos ser
e interpretamos ser .
Amados e rejeitados
Pelo que julgamos ser
Ou parecer .
Somos condenamos
tantas vezes pelo
que criamos ser
sem o saber .
A falha de uma palavra descuidada
que condena uma aproximação
que poderia salvar um afeto
que abriria uma porta para
tua escolhida e julgada
cela solitária .
Tu , eterno juiz ,
Julgues teu juízo perpétuo .
Quanto pesa a tua condenação
a um inocente
por teu ingênuo julgamento ?
Quanto te pesa a tua condenação
de nunca olhar a tua indiferença
ao réu que sem juízo te amou ?
Aprende a delicadeza da sentença suave
do perdão a ti mesmo e anisties
as sombras do teu pré julgamento
de quem condenaste à tua ausência .
Te aproximes da sombra , da voz
de cada condenado ao teu silêncio
a fim de que teu próprio julgamento
te seja leve
a fim de que a tua justiça seja
descrita e superada
pela pena leve
da mútua misericórdia
de nos salvar a todos –
Eternos condenados a nos julgarmos
uns aos outros .

Os sabores da ingratidão

Aprende: Nenhuma recompensa te espera.
O prêmio da virtude
da tua doação sem cálculo
é o aplauso
à mão que te esfaqueia.
Aprende : é na dor da injustiça
que saboreias a chaga da tua vitória .
O prêmio a teus olhos que mergulham
na mulher que ama
são as unhas que te cegam
para apenas ouvires o gemido dela
-de prazer- com o homem
que nunca a amou .
O filho que lapidaste com teu cuidado
construirá sua liberdade no esquecimento
da tua mão que pavimentou sua estrada .
Tua palavra de âncora
que salvou teu melhor amigo do naufrágio
será afogada com o silêncio no oceano
da indiferença .
Teu quinhão para a liberdade
do teu país será pago
com a cadeia inafiançável
que prende a tua opinião subversiva .
A palavra adornada do mentiroso
aplaudida pelas multidões
calará tua verdade que
poderia ter salvo as mãos surdas
que cavam seu abismo .
A comida que tiras da tua boca para
dar ao faminto será retribuída com o escarro
com que engoles a tua fome de gratidão .
Aprende com o crucificado
a saborear a ingratidão
com que lavram o prego nas tuas mãos
Aprende com o crucificado
o abraço pregado
na eternidade da indiferença
de quem você amou .
Esta tua maior e única recompensa .

Explicação de tudo , sem exagero

Não existe exagero .
Tudo que vive é excessivo ,
extrapola uma suposta realidade aquém
de um sentimento derramado
que justifica o que vive .
Tudo que respira e olha e sente
é extraordinário .
Nada é comum , nada ordinário :
o trabalho de uma formiga
não tem explicação razoável ;
o nascimento e morte de uma estrela
não tem lógica razoável .
O amor a teu filho que morre
não tem explicação ;
a paixão pela mulher que te ressuscita
mas te mata não te amando
não tem explicação .
Teu sacrifício pela liberdade ,
onde te recompensam com tua prisão
cria a explicação trágica e gozosa
para a própria vida .
Tua explicação única
é a invenção que te faz
sentir tudo derramadamente , desesperadamente
em nome de uma esperança de sentir algo onde mora teu prazer ou tua dor
ou razão de se sentir vivo .
Não há descanso nem sono na eterna criação do universo que te abriga em cada galáxia que nasce e morre dentro de você num tempo que você relativiza e comprime
dentro do teu infinito particular.
Mesmo teu sono é ponte para o sonho
em que desperta a imensidão infinita
de uma vida que devora tua pergunta
que nunca se cala .
Você é a ponte para o Deus que te cria
e que você criou à imagem e semelhança
do melhor que você quer se doar .
Teu corpo abriga o universo
que te ultrapassa ;
tua consciência colhe e inventa o infinito
que te cria ,
onde você imprime a tua marca
em cada gesto palavra ação
onde você cria a história
do universo que te abriga – onde você renasce infinitamente .
Cada toque em cada pessoa é uma tatuagem eterna no corpo na vida que não se explica mas se sente na violência do que se sente – profunda e desesperadamente .
Espírito e matéria e sangue e afeto se fundem onde você transcende o que não compreende e ultrapassa as separações dos conceitos
que aprisionam a óbvia união de tudo .
Em cada olhar do teu filho morto que te recria , em cada olhar da mulher que te devora
no teu amor rejeitado
morre e nasce um universo inteiro
que você enxerga
para além dos cegos que te acusam de exagero .
Teus pés fincam raizes no chão inexistente onde pisas um planeta que flutua
sob o que sentes sobre o mundo .
Tua razão é atravessar a suposta loucura onde te sentes parte e centro de tudo
onde aprendes a amar tudo ,
desde o ódio que te crucificam ,
desde a morte permanente
a que te condenam ,
desde o beijo pérfido no teu filho morto , desde o beijo pérfido da mulher
que não te ama
até a mudança do teu corpo que apodrece até a queda de um reino que se arruína
até o canto sutil do pássaro
que pousa sobre teu ombro .
Dentro de você há todo o mundo que grita
e ecoa tua presença tatuada em cada pessoa que te atravessa onde vocês criam o caminho do universo onde se criam .

A vida é sempre por um fio , diz o clichê
O fio se corta por um clichê : a delicadeza .
A delicadeza salva tudo em todo tempo .
O suicida que passa poderia ser resgatado pelo teu sorriso cordial .
Um bom dia teu a quem te ama
-a quem você não ama
curaria a angústia provisória do seu dia .
Uma sentença fria de um juiz
é assinado pela ausência deste bom dia.
O suicida sentenciado pela mão fria
do juiz magoado
O suicida que teve o teu sorriso negado .
Nenhuma culpa visível , tátil .
Mas tua delicadeza gratuita
pode salvar todos os dias .

Oração em terapia para cálculo de uma paixão desesperada

Senhor ,
Dai-me não projetar um afeto idealizado
por quem não corresponde à imagem fabricada da minha vontade de amar
Mas dai-me não morrer em vida
por realista indiferença calculada
sem me entregar ao encanto que desconheço
de uma realidade sem fundo de alguém
a quem entrego amor sem cálculo .
Dai-me , senhor ,
um meio termo me permita talvez
até uma falsa vaidade orquestrada em algum sonho comedidamente narcisista
pra escapar de uma necessidade de entrega ao abismo emocional.
dai-me , senhor
não me mortificar de ciúme
pelo que julgo amar
Mas não me permita desapegar
do afeto turvo que me sustenta
como a sombra que me permite
melhor ver o sol sem me cegar .
permita Deus
não viver inteiramente num chão sólido de indiferença frugal que não permita
permita ver o abismo em céu
de um amor desesperado
que poderia me salvar dos meus pés
atados a um solo árido .
Permita Deus
não me amarrar à construção
de uma obsessão
Permita Deus
não me abandonar à calma
de uma sociável solidão .

Sem regras

O amor é um jogo , dizem .
A conquista um jogo , dizem .
jogo permanente. Brutalmente consequente .
A palavra certa no momento certo
no gesto que determina o tempo
suspenso no momento que gera
o bote da eternidade
ou a queda da arquitetura
do castelo de areia
arruinado por um descuido , um sopro .
Você que ama é um
jogo jogado pelo tempo
que molda na palavra
na ação ensaiada
que joga pra quem ama .
A mínima falha de atenção
arruina teu jogo , determina teu fim
e te empurra para um jogo a sós
onde você brinca
com as palavras e ações passadas
ensaiando tantas vezes
um gesto não acontecido
fabricando um momento perdido
reescrevendo os diálogos
de uma falha de comunicação
que teima em não desacontecer .
O amor é um jogo .
A conquista um jogo .
Outros disputam
e levam o prêmio
que tantas vezes nem anseiam
sem esforço onde caminham
sutilmente na tua trágica derrota
que ignoram .
Você é um jogo
jogado pelo que você
pensa e crê amar
e se joga
na disputa cega em que se doa
como prêmio ao tempo do amor
que sempre te vence .
Você vira jogo vencido
troféu perdido
quando chega o tempo
de não querer jogar
de apenas querer sussurrar
em gestos sem regras
– e se vê sozinho –
na tua nunca vencida
vontade de amar .

O espaço entre

O espaço entre a pedra bruta
e a escultura que o artista nela sonha.
O espaço entre o ideal que se esculpe
de quem se ama através da pedra bruta
de sua realidade a ser atravessada .
O espaço entre a mão que toca
no que há na pedra bruta de quem ama
e a indiferença da pedra viva que foge
ao toque que descobriria seu fundo .
O espaço vazio que adora a si –
que se deslumbra pela distância
que enxerga apenas a sombra
de querer ser desejado .
O espaço entre milhares de quilômetros
de uma viagem que nunca termina
que quer tocar e esculpir o tempo
entre nós.
O espaço infinito entre um gesto
que deixou de acontecer
e o sonho de uma realidade
que descobriria a arte viva na pedra .
O espaço até entre uma vida que se foi
e de um querer que não termina
por um toque sempre presente
que inaugura a escultura viva
da mão ausente que ainda
toca na tua
e te descobre.