O que levo de você
é o desejo de ser levado por você
O desejo de ser evadido de qualquer lugar
onde você não esteja em mim
mesmo como presença materializada
da dor do que me falta
no prazer exasperado
do que espero da sua volta
de onde você nunca exatamente esteve.
O que levo de você
é minha companhia inacabada
carente de uma outra que não me completa,
antes aninha o desconforto
da minha incompletude
que se perde em seus braços,
da minha falta de mim
que se preenche onde você sobra
nos meus hiatos.
O que trago de mim sem você
é este meu personagem em busca de uma indefinição
que não principia ou acaba,
antes se preenche de seu esgotamento
sempre provisório
em busca de algo
que provisoriamente me mate
a fim de que eu recomponha
o esboço de uma ressurreição
por você.
O que levo de você
é a intenção movediça
de jamais querer deixar de querer
ser levado pelo que me destrói
a fim de me reconstruir
à imagem e semelhança
do que desconheço
em nós.
Passos
Cada tropeço é um passo
rumo a um aprendizado
de como caminhar
ou
a como cair de pé
caminhando o abismo
que espreita teu caminho.
No abismo,na gravidade que te atrai,
enxergas tua queda,
onde equilibras tua ascese,
caminhando teus tropeços
rumo ao alto
onde te enxergas
acima de ti mesmo.
As coisas como são
Ver as coisas como são
é enxergar
que as coisas se modificam
ao olhar de quem percebe
as coisas como deveriam ser.
Ver o olhar que enxerga
as coisas como aparentam ser
é ver
a cegueira criativa
que clareia nossa visão.
Não se enxergam
não se percebem
não se tocam
não se furtam as coisas
de serem vistas
em nossa criação.
Não são exatamente as coisas como são:
um corpo objeto ideia verdade mentira
se tateiam como coisas tocadas
pela visão de nossa ação
e pela ação da visão
que nos vê
como coisas que somos
– e mudamos.
Perceber onde se vê
o ideal ou loucura
a miopia além e aquém
da visão das coisas
como aparentam:
eis uma sombra de visão.
Perspectiva
Estar no inferno:
olhar o céu sem alcançá-lo
Ser esmagado pelo paraíso visível
e intocável.
O tédio do céu:
não poder olhar
ao que está acima.
O prazer tátil
que jamais sacia
sua sede pelo toque
que nunca chega ao outro-
céu aparente.
A Transcendência:
sentido que jamais se toca.
Devoramos o desespero
pela fome de esperança.
O céu:
querer e ser céu
vivendo o inferno.
O passado
Te alegras em reconstruir o passado
à imagem e semelhança
da utopia póstuma
que não vingou
Te vingas do erro consumado
consumando o erro acertado
do imaginado
Porém
nenhuma ação perdoa o imaginado
Mas que pode o ato contra
a intenção que semeia o pós – fato?
Te alegras em conduzir o passado
à imagem futura
da utopia viva
que ainda e sempre
se adiou.
Um rosto
Um rosto nunca se dá a sorte
de seu fundo conhecer.
Como a vida,
à semelhança da morte
que se cria
sem a si se conhecer.
Talvez o fundo
na superfície se escorra.
Por certo o mundo
de seu criar-se se corra.
Pele, terra e céu revestem
a visão
do que nunca se vê.
No que não se toca
também se sente
no que se mostra
também se mente.
Pele, terra e céu travestem
o ideal que sempre se crê.
Um fundo
só se dá a sorte
de seu rosto conhecer
que lhe encara – cego
travestindo a morte
certo
de jamais se perceber.
Hipótese
Eu não
Não farei, não direi
Ou talvez fizesse
se me quisesse ator
do que não sei
Ou talvez dissesse
se soubesse
o enredo
em que me enganei
Me entrego ao erro acertado
onde não me sei
Sim, eu me doei
Onde pulsava
farsesca vitória
eu me matei
Onde cursava
o fim da derrota
eu me entreguei
Sim, me arrependo
do que sei
porque saber
é provar o gosto
do afeto inventado
que me dei.
Quando morto
Quando morto, invejava os vivos deprimidos
que não saiam da cama.
A viva morte de minha angústia
tolhia toda tentativa de saída de mim.
Quando morto, açulava a vida
que bailava indiferente
sobre a tumba pulsante do meu corpo.
Outra vez vivo,
vivia o tédio de nada mais invejar,
nem mesmo a morte,
que agora jaz como ideia póstuma.
Quando vivo, sobrevivo
de quando em quando
à hora de sequer morrer.
2015-04-27 13:23:00
Utopia do futuro do pretérito
2015-04-05 19:25:00
Anti-jogo