Em mim renasce o meu fim
Poesia
Em mim renasce o meu fim
Ar
O ar que aspiro
Ignorância
Não se sabe tempo o tempo que medimos
perdas e ganhos desmedidos pela ignorância da sorte
Não se sabe amor o amor que criamos
para compensar a desmedida que valemos
Não se veem os olhos com que adornamos
a imagem da criação que não entendemos
porém tentamos
Não se furtam as coisas de existirem
embora não se saibam e se ofereçam
ao nosso olhar e interpretação
em sua complacente doação sem causa
Assim não nos sabemos
e nos tentamos e nos doamos
com causa forçada, sem mérito
e nos criamos pela entrega
à nossa ignorância calculada.
Antologia do engano
Nunca, ainda, sempre
Cinco sentidos e uma falta de explicação
Vê
é a cegueira que repousa teus olhos
do limite do horizonte
que outrora limitava tua encruzilhada
e agora abre caminho para que contemples o toque
Toca
o segredo escancarado da tua ausência
habitando a multidão de teus abandonos
reprovando o sabor da tua existência
erguendo o ar que sustenta tua queda
Sente
o aroma tátil da voz invisível
que lapida o confortável gosto da tua nudez.
Um corpo à espera de uma eutanásia ou possível ressurreição que seja
O corpo permanece vivo
em lânguida morte que o espreita, adiada
Semi-estático, o corpo ainda responde ao toque:
pulsão da lembrança de um desejo da intenção de uma resposta-
que não virá, antes pela indefinição de uma pergunta
e ora pela fadiga tátil da procura
O corpo ora adormece, ora se exprime
em espasmos de tédio e espanto
por não se perceber ou não se orientar
nos modos civilizados de seus usos e desusos
Por ora, o corpo se abusa de seus usos devidos e indevidos
O corpo não se deve nada que não seja
o devir de uma longa aprendizagem não concluída
e ainda não devidamente iniciada e sempre e ainda recomeçada
que se posterga para além de seu fim
Póstumo, o corpo realiza sua transcendência
em sua convulsão articulada
que deixa convulsionados os movimentos
e afetos de corpos ainda socialmente móveis e moventes
que adornam a patologia do ansiado paciente
cuja impaciência explode para fora da sua intenção esmaecida
para fora de sua consciência exaurida
para fora da vontade dos que o guardam, embalam e o esperam (onde, como, por que?)
O corpo se mantém vivo artificialmente,
com a ajuda do artifício dos que o esperam
Os corpos que o observam mantém vivo
o artifício do cuidado com que o percebem
-e não o explicam
e se mantém vivos, também, por ora e sempre
com a ajuda de algum artifício
em lânguida morte que se espreita, adiada.
Aquela que se foi
Quod erat demonstrandum
Nomeamos- por indizível- o que não nos cabe
Onde não há objeto palpável,
tateamos a criação de uma intenção
Quando dizemos amor, ódio,vazio, tudo, qualquer
dizemos corte
do que nos cabe em nossas frestas
por onde sopramos nossa voz descabida
a fim de estabelecer o espaço de um eco
que flertará com o elo de outro sopro
a ecoar um desencaixe desmedido
Tateamos descabidos nosso cabimento
na nomeação que nos tatuam:
quando dizem Jorge, Patricia, dizem alguém
mas não algo do que somos
ou projetamos ser pela nomeação de nossos sentidos
Quando dizem nós, dizem ninguém
quando nós entrelaçados somos a corda esmaecida
a amar o repuxo atrevido da refundação de outrem
em nodosa reprodução desassistida
pela força centrípeta do esforço de um toque
Embaralhamos, indevidos, a poética de nossa desnomeação
onde quando, por sem opção, lambemos a cria
do batismo de nossa escolha
-corte do cordão do embrião multivitelino –
que nomeará a gênese cartesiana
de nosso parto atemporal.
Soneto indolente
Espero furtivamente, lânguido
por um milagre que não aconteça
por uma graça que me esqueça
ao pé da arte do descuido
Desespero a ânsia de um fato
pela ação do sono voluntário
ao infame despertar necessário
à póstuma comunicação de um ato
Exaspero a intenção de um desejo
emoldurando a foz de uma quimera
em vielas ao curso de um varejo
Sobrevivo atemporal ao fracasso
deitado a ansiar a espera
por outra utopia em descompasso.