2012-06-07 21:37:00

       
  

Em mim renasce o meu fim

 

Em mim renasce o meu fim
permanentemente
como queda perene de arlequim
Assim, revolve meu sim
a negar a morta criança
em ressurrecta dança
que havia em mim
a furtar cada célula morta
por cada outra reposta
em cada nova resposta
a enganar o meu fim
Em mim cada onda se quebra
em cada recife
e se regenera
em cada esquife
eternizando a imagem
de um retorno sem fim
Em meu filho não renasço
nele continuo
cadáver lasso
nele evoluo
na história
como memória
de minha morte sem mim
Em mim, se inscreve um motim
contra o recomeço do fim.

 

2012-05-09 22:40:00

       
  

Ar

O ar que aspiro

inspira a indiferença
da brisa que acalenta
o teor do vazio
Vazio que respiro
é matéria do ar
que sustenta e alimenta
e mantém viva
a intenção de desvio
De ar me expiro
incitando a inércia
que respira a dúvida 
da dor que me crio.

 

2012-04-13 10:35:00

       
  

Ignorância

 

Não se sabe tempo o tempo que medimos

perdas e ganhos desmedidos pela ignorância da sorte

Não se sabe amor o amor que criamos

para compensar a desmedida que valemos

 

Não se veem os olhos com que adornamos

a imagem da criação que não entendemos

porém tentamos

 

Não se furtam as coisas de existirem

embora não se saibam e se ofereçam

ao nosso olhar e interpretação

em sua complacente doação sem causa

 

Assim não nos sabemos

e nos tentamos e nos doamos

com causa forçada, sem mérito

e nos criamos pela entrega

à nossa ignorância calculada.

 

 

2012-03-07 15:13:00

       
  

Antologia do engano

 

Esta música que engana
com sua melodia orquestrada
que reintegra o caos de sons dispersos
no engodo da harmonia que me embala
Este quadro que me limita
em sua visão de uma ação que aspira ao todo
colorindo, matizando o instante que se dissipa
que se perde e se inventa na lembrança da mão que o pinta
e no olhar que o revela desvelando a intenção de sua pintura
Esta pedra que se quer gesto, ornamento, monumento, cidade
que se esculpe pela vontade
e se quer intenção de sentido
que se nega, volátil porém
como pedra complacente 
ao toque do escultor que  a inventa
Este toque que agride e acaricia
que também me engana, por concreto
e por responder o sentido da abstração
que não o explica
Esta escritura, este poema que se quer ordem
ordenamento de uma realidade que se vê ficção
por ilusória mesma ser esta distração
que
palavra por palavra
gesto por gesto
toque por toque-nos distrai
de uma distração maior
que nos embala, ilude e inventa.

 

2012-02-17 02:37:00

       
  

Nunca, ainda, sempre

Às vezes, sempre é muito vago

porque nunca é o bastante
Nunca, ainda , não é raro
mas sempre é mais adiante.

2012-01-23 17:27:00

       
  

Cinco sentidos e uma falta de explicação

Escuta
é o silêncio que pousa em tua voz
como a explicação terna e cínica
do nada que te esmaga e afaga
como a língua das respostas
que lambem seu sorriso de esfinge,te povoando


é a cegueira que repousa teus olhos
do limite do horizonte
que outrora limitava tua encruzilhada
e agora abre caminho para que contemples o toque

Toca
o segredo escancarado da tua ausência
habitando a multidão de teus abandonos
reprovando o sabor da tua existência
erguendo o ar que sustenta tua queda

Sente
o aroma tátil da voz invisível
que lapida o confortável gosto da tua nudez.

 

2011-12-22 04:03:00

       
  

Um corpo à espera de uma eutanásia ou possível ressurreição que seja

O corpo permanece vivo
em lânguida morte que o espreita, adiada
Semi-estático, o corpo ainda responde ao toque:
pulsão da lembrança de um desejo da intenção de uma resposta-
que não virá, antes pela indefinição de uma pergunta
e ora pela fadiga tátil da procura
O corpo ora adormece, ora se exprime
em espasmos de tédio e espanto
por não se perceber ou não se orientar
nos modos civilizados de seus usos e desusos
Por ora, o corpo se abusa de seus usos devidos e indevidos
O corpo não se deve nada que não seja
o devir de uma longa aprendizagem não concluída
e ainda não devidamente iniciada e sempre e ainda recomeçada
que se posterga para além de seu fim
Póstumo, o corpo realiza sua transcendência
em sua convulsão articulada
que deixa convulsionados os movimentos
e afetos de corpos ainda socialmente móveis e moventes
que adornam a patologia do ansiado paciente
cuja impaciência explode para fora da sua intenção esmaecida
para fora de sua consciência exaurida
para fora da vontade dos que o guardam, embalam e o esperam (onde, como, por que?)
O corpo se mantém vivo artificialmente,
com a ajuda do artifício dos que o esperam
Os corpos que o observam mantém vivo
o artifício do cuidado com que o percebem
-e não o explicam
e se mantém vivos, também, por ora e sempre
com a ajuda de algum artifício
em lânguida morte que se espreita, adiada.

2011-11-27 02:50:00

       
  

Aquela que se foi

Aquela que se foi não manda lembranças
Antes permanece como ausência tátil e consentida
entre o afeto deslocado e a memória do que poderia ser
Aquela que nos deixa permanece
próxima e distante como o conceito de humanidade
que abraçamos com complacência simbólica
e torcemos com retórica furtiva
coletiva em seus múltiplos desvios
que se distribuem e se destituem
no discurso que a define e perde
Aquela que se perde se ganha
na volta do que não se fecha
do que não morreu a tempo
de nos deixar inteiros
em nosso abandono incompleto
Nós, que não fomos
que exasperadamente não nos abandonamos
voltamos sempre-por distração do tempo
para aquela ou o que quer que seja
que se perde no caminho.

2011-11-01 06:09:00

       
  

Quod erat demonstrandum

Nomeamos- por indizível- o que não nos cabe
Onde não há objeto palpável,
tateamos a criação de uma intenção
Quando dizemos amor, ódio,vazio, tudo, qualquer
dizemos corte
do que nos cabe em nossas frestas
por onde sopramos nossa voz descabida
a fim de estabelecer o espaço de um eco
que flertará com o elo de outro sopro
a ecoar um desencaixe desmedido

Tateamos descabidos nosso cabimento
na nomeação que nos tatuam:
quando dizem Jorge, Patricia, dizem alguém
mas não algo do que somos
ou projetamos ser pela nomeação de nossos sentidos
Quando dizem nós, dizem ninguém
quando nós entrelaçados somos a corda esmaecida
a amar o repuxo atrevido da refundação de outrem
em nodosa reprodução desassistida
pela força centrípeta do esforço de um toque

Embaralhamos, indevidos, a poética de nossa desnomeação
onde quando, por sem opção, lambemos a cria
do batismo de nossa escolha
-corte do cordão do embrião multivitelino –
que nomeará a gênese cartesiana
de nosso parto atemporal.

 

2011-10-06 10:58:00

       
  

Soneto indolente

Espero furtivamente, lânguido
por um milagre que não aconteça
por uma graça que me esqueça
ao pé da arte do descuido

Desespero a ânsia de um fato
pela ação do sono voluntário
ao infame despertar necessário
à póstuma comunicação de um ato

Exaspero a intenção de um desejo
emoldurando a foz de uma quimera
em vielas ao curso de um varejo

Sobrevivo atemporal ao fracasso
deitado a ansiar a espera
por outra utopia em descompasso.