2011-09-15 14:55:00

       
  

Proximidade

Por muito próximo não se vê
o que se esconde
no espectro que turva
ou reinventa uma verdade palpável

Por dentro se percebe
o planeta como centro
que ao longe se descobre
poeira no universo

Por muito próximo
não se toca
a contemplação do todo
no corpo do desejo
da plenitude da obra
que se esconde no detalhe

Por muito perto se sente
a mão que acalenta
a pele da vontade
na carne da escultura
e por incerta distância se sente
a lâmina que esfaqueia a tentativa
empunhada pela mesma mão
que golpeia a projeção
e retalha a intenção

Por dentro, não nos vemos
Por fora, da visão do outro
nos atalhamos e nos criamos

Por invisível se esconde
a distância que conceberia
a arte do juízo
que se quebra
por se espreitar sempre próximo
o medo de ser só
distante da ilusão
que nos aproxima
de nossa fraterna colisão.

2011-08-12 18:19:00

       
  

Perda de tempo

Perda de tempo, dizem
Mas onde o ganhamos?
Na perda, ensaiamos o ganho
da experiência
e a desperdiçamos
nos hiatos futuros
do texto difuso
de nossos enganos

Perda de tempo, sussurram
E como o ensaiamos?
No seu uso, abuso de retórica:
conceitos utilitários que manuseiam
sua fuga
percorrendo os dedos
que agarram apenas
discursos planos

Perda de tempo, silenciam
E a que o somamos?
Em que o encaixamos?
Em caixão póstumo,
onde se veda participação ativa
de uma ação afeita
ao tempo que a anula,
de uma ação sujeita
à subtração de valores
que a permuta

Perda de tudo, esperam:
procriação das perdas
em gerações futuras
de novos enganos
consolidando o sentido
de supostos ganhos.

2011-07-07 13:53:00

       
  

Forma

Mesma matéria nos forma:
átomos, prótons, nêutrons
a embalar a mesma substância
que nos conforma ao mesmo fim

Mesma ausência nos deforma:
dor, perda, mágoa
a desnaturar a natureza
que nos informa do óbvio
que não nos consola

Mesma presença nos reforma:
outro mesmo ser
objeto a refletir a inversão
dos mesmos contrastes
que nos tocam

Mesmíssima forma nos entalha:
carne, sangue , pedra
ao molde que não nos cabe
ao cabimento que não nos resolve
à indiferença
do que não nos informamos
do que nos cria e forma

Distintos talhes nos cortamos
a fim de tecermos o disfarce
das diferenças
que nos destóem e reformam

Do que mais além
nos forma
deforma
reforma
nos informa a resposta silenciosa sem forma
energia escura
a reverberar a pergunta
em frequente expansão
como universo
versando sua explosão a ruir
que nos confunde
e transforma.

2011-06-13 22:34:00

       
  

Dado

Deu-se sem saber a quem ou que
na medida exata
da forma que o encaixava
na forma inexata
da medida que o açulava

Deu-se, inequívoco,
por acerto trespassado
entre a burocracia do desejo
e a incerteza da intenção

Doou-se, exasperado
pela sede de doação
pela ânsia desesperada
do sentido de uma ação

Vendeu-se a preço
de uma verdade tátil
que tateou o desenho frágil
ao toque de sua criação

Ofereceu-se como sacrifício
à febre de sua ilusão
e foi ofertado ao consumidor
como oferta em liquidação.

2011-05-30 14:35:00

       
  

Fugir de si

Fugir de si 
é tarefa inescapável
nem tão hercúlea 
mas quase inelutável

Prender-se à sombra
do que de si se espera
é forçoso caminho
à complacente quimera

Mirar-se à margem 
do que de si se inventa
é ater-se à sombra
do que de si se tenta

Fugir de si  dá-se no avesso
do corpo em consonância ao tropeço
que a cair, por pulsão se levanta
ou por cotidiana morte, se agiganta

Escapar ao revés da fértil criação
que por criada se reproduz em máscaras
a esconder um rosto em furtiva traição
ao concreto que se quebra em cascas

Fugir de si em direção ao outro
ao encontro de outra invenção
fugir de si em fuga à resposta
Como resposta à responsável prisão.

2011-05-16 15:18:00

       
  

O que, onde, quando

No sentido, me perco.
Me extravio
na premissa do significado.
Agonizo na intenção
da memória do amanhã.
Tergiverso
na recondução ao esquecimento
e me esgoto na permanência.
Quando sempre, estou efêmero.
Quando nunca mais, concebo
a pretensão do meu parto.

2011-05-12 14:24:00

       
  

Em nome de quem

Orai uma prece atéia
pelos que têm sede de além.
Clamai pelo desnudamento
da carne da transcendência,
que conspurca o milagre da matéria
e avilta a encarnação da perda.
Santificai, pois,
a palavra muda que dispersa
a autoridade dos sentidos.
Tocai, de joelhos,
o chão do teu céu,
engolindo a epifania do teu esquecimento.
Comei e vivei
pelos famintos
do despojamento do tempo,
roçando a língua dos teus,
nossos sabores.
Comungai tua mensagem
no silêncio compartilhado
do nosso abandono.
Saciai o espírito
pela fome de toque.

2011-03-31 15:05:00

       
  

Porque

Porque já não respondo por minhas respostas

por não questionarem o afeto de minhas razões

porque respondo por me esquecer

de perguntar à pergunta

a natureza de sua intenção

 

Porque já não contesto o vazio

que acalenta e aninha minha dor

como um ungüento a anestesiar

o que por criado ao vazio retorna

recriado por outro caminho

percorre a gênese do alívio provisório

que apascenta a culpa

do meu tédio evacuado

que  fustiga a pele anfíbia

do questionamento refeito

à maneira de um reflexo

refletido ao avesso de sua reflexão

 

Porque já não aguardo pela eternidade

e antes me ocupo de um breve instante

que me vale e traduz o tempo  escoado

pelos cantos de um sentimento colado

ao pé de sua fábrica malemolente

que rebola ao ritmo incessante

de sua recorrente subversão

obstinada em cravar a perda

que define o ganho da carne

que reveste a minha sombra

 

 

Porque já não pergunto à resposta

o que define o molde de sua obra

que resta imprecisa, aberta

ao esboço da pedra rudimentar

à espera da mão que será moldada

pela escultura que a redime.

2011-03-15 01:10:00

       
  

Conselho ressurrecto

Não retornes, Lázaro, a esta doença
não tornes a abandonar o conforto uterino
que acalenta o sonho que exaspera a fuga
de onde vive o fim do desencanto

Não entornes, lázaro,
a dádiva de um provisório fim
pelas valas tortas de uma recidiva pergunta
que, por incessante, não vale o sabor do silêncio
a consumar o princípio do vento

que acaricia a perda
e cobre os frutos da memória
desdenhando os caprichos do tempo
incrustados nas mágoas da tua carne
e nos membros perdidos de tuas intenções

Não percas, Lázaro,o milagre da perda
que restaura a edificação de teus anseios
que retorna a encruzilhada dos lugares
que redime o objeto dos olhares

Não te deixes levar, Lázaro
por duvidoso milagre ressuscitado
de vozes não ouvidas
e nunca esquecidas

porque morte não há
onde dúvida é perene.

2011-02-08 05:29:00

       
  

Da arte

Um motivo que seja:
que nos arrede do que nos fica e finda
tocando a ferida, caminhando a cicatriz
e nos evada da dor, doendo no que nos move
fincando as unhas no cadáver de nossa ressurreição
resgatando-nos de nossa pele obsequiosa

Um motivo:palavra, esboço, som, gesto
que reflita a reinauguração do reflexo enganoso
salvando-nos da resposta objetiva,
que adorne nossa deformidade
com a invenção de um corpo infenso a seu esboço

Um termo que coloque princípio ao fim
que nos submeta ao pó de nossa construção
a fim de edificar nossa poeira
aos quatro ventos da encruzilhada
de nossa perpétua dissolução

Um motivo:pedra, pó, vento
razão que articula uma paixão
que nos desperte em vigília
para outra miragem
curando-nos do tempo
restaurando-nos
um engano mais prestimoso
àquilo que nos criamos.