2006-01-16 13:29:00

       
  

Loiritude paquistanesa

Na Índia, a onda agora é
branqueamento de pele para se moldar ao padrão de beleza
nórdico-ocidental.Vem aí um exército de Michael Jacksons veneradores de
vacas?Sabe-se lá.Mas cale-te boca que em matéria de esquisitices de
personalidade, o Brasil ganha de longe de todo mundo.Aqui, algumas
moçoilas pintam o cabelo de louro- platinado-amaralo-manga e esturricam
ao sol que nem misto quente.Mulatas suecas nas parágens tupiniquins. Por
aqui,até os critérios de subjugação racial são subvertidos.Mais
estrambótico que romance de Garcia Márquez.Aliás, quem precisa de
realismo mágico com um país assim?

Mas o negócio é o seguinte:além das questões
sociológicas de dominação sócio-etno-econômica e outros blábláblás, o
fato é que todo mundo mais cedo ou mais tarde enjoa de si mesmo.Uns com
mais , outros com menos frequência.A mudança na cara, na pele, no
cabelo, no dedão do pé é apenas uma manifestação exterior de um enfado
geral consigo mesmo.Nada de mal nisto.Melhor que narcisismo patológico
que invariavelmente em escala coletiva recai sempre no mais hediondo dos
disfarces do mau caratismo, o famigerado patriotismo.E, ora, ninguém
melhor para odiar a si mesmo com devida acuidade que o brasileiro.Odeia
seus políticos, suas origens, sua cultura e tenta de toda maneira se
desvincular de sua imagem.Os mais medíocres fazem o trabalho de
descaracterizar a própria cultura, como por exemplo distorcendo
o samba, a música sertaneja e outros estilos botando tudo num saco
pasteurizado em que se cria uma espécie de bolerão de cais de porto,
para usar uma expressão de Julio Medaglia.Os mais refinados( e
endinheirados) saem do país e dão uma banana para o bananão, como
fez Ivan Lessa.Os que ficam falam mal da própria terra em ritmo de
catarse libertadora(sim , o meu grupinho) ou pintam o cabelo de laranja e
vão tomar sol em Ubatuba até ficarem azuis.

Sim, sim, as perspectivas dos remanescentes não são
muito boas, mas as dos fujões também não são.Senão vejam o exemplo do
próprio Ivan lessa que não pisa em solo tupiniquim há trinta anos.Lessa
claramente tem pavor do Brasil, mas sabe que o país está entranhado em
cada póro seu, apesar de viver em solo britânico.Tenta ser
pedante,blasé,sofisticado, culto, engraçado(e o consegue)mas só o faz em
português, língua pela qual tira seu sustento.Não adianta, não se exila
de si mesmo.Seus trejeitos, humor e maneirismos são os mesmos dos quais
ele debocha:tipicamente brasileiros.Enfim, um caso clássico de amor e
ódio a si mesmo.

Nada contra, nada contra.Muito pelo contrário.A maior virtude
brasileira é esta mesma ambiguidade fruto do próprio auto
desconhecimento somado a doses de  esquizofrenia social, política,
artística, étnica e cultural.Um não-sei-que que impede nosso avanço
econômico mas contribui para a melíflua, lúdica e epopéica falta de
caráter tupiniquim.Com as devidas madeixas aparentemente louras
sobre a pele emplastrada de bronzeador.

2006-01-11 03:04:00

       
  

Restos constrangedores

Mudar de idéia é recorrente numa
vida.Mas vez por outra quando a idéia tenha sido motivo de paixão
ardorosa, o negócio da mudança fica doloroso.Como deixar de amar uma
pessoa, descobrindo que a dita cuja é mau caráter, perniciosa e
canalha.O desencanto é lógico, mas sempre fica uma mágoa que se traduz
em uma certa utopia de talvez não se estar certo o suficiente sobre o
caráter da outrora bem amada e também sobre seus próprios sentimentos
atuais em relação à ela.Enfim, o mesmo se dá com crenças
abandonadas, aquelas estruturas ideológicas que comandavam nossa
vida e que de repente desmontam ao vento.Como perder o chão e ser
obrigado a trocá-lo por outro(que geralmente é tão ou mais movediço que o
último).

Assim em tudo, desde convicções políticas a aspectos
mais religiosos ou éticos.Sempre fica um resíduo daquilo que você
abandona no meio do caminho.Tal qual o ex-católico agora ateu que
se benze ou reza quando ninguém está vendo e o faz por um medo
atávico remanescente da infância(ai,ai, Freud…) quando os cânones
cristãos assimilados eram expessão absoluta da verdade;tal
qual um ex-comunista que depois de toda a história do stalinismo e
da derrocada do famigerado sistema ainda afirma que o
mesmo comunismo sobrevive enquanto sonho de um mundo melhor;como
quando um petista frustrado ou envergonhado diz que votaria na reeleição
de Lula ou nulo ‘’porque, ah, são todos iguais’’.

Não se sai ileso de uma crença que um dia foi
absoluta.E mais grave: de uma maneira geral,a besteira, a
ignorância e a cegueira sempre deixam rastros indeléveis na psique
humana, ao contrário da inteligência, que se esvai ao menor sopro de
alento mistificador.Talvez porque a inteligência pressuponha um certo
ceticismo elementar, um certo desprendimento de convicções e um certo ar
enjoadinho meio metafísico meio blasé que não é afeito aos
temperamentos mais contentes e felizes.Pensar dói um bocadinho e o torna
meio apartado de certezas absolutas, coisa que não leva necessariamente
a uma vida particularmente esquemática e colorida.Por isto a tendência
geral é se aferrar a estruturas mais fáceis, mais elementares que possam
moldar um grau de adaptação afável às circunstâncias adversas.

E o pior é que em nosso mundinho medíocre, o
pobre sujeito que , com toda honestidade intelectual e moral, muda de
idéia, assume que errou, é taxado de vira-folha.Enquanto a mula de
pensamento único do tipo Luis Carlos Prestes é premiada com o
título de ‘’coerente’’.

Há, claro, que se tentar acreditar em uma ou outra
coisa para pelo menos fingir(para si mesmo também) uma certa
estabilidade moral e intelectual e, convenhamos, alguns princípios
éticos são universais mesmo, embora os antropólogos multiculturais
barbudinhos de rabo de cavalo digam o contrário.Mas ainda assim,
meu caro leitor, quando abraçar uma idéia, abrace devagarinho, com
sutileza,sem ‘’idealizar a idéia’’, capisce? Sem muito radicalismo,
antes que ela, a infame idéia crave os dentes em você como uma daquelas
vamps que usam botas de couro com salto quinze.E então, meu caro
desavisado, você poderá correr o risco de se deslumbrar, de se apaixonar
por uma megera vulgar e sair por aí dizendo que a fulana é casta,
elegante e imaculada.Depois para voltar atrás, já viu…

  

2005-12-24 11:24:00

       
  

Poema lasso

Preguiça.De erguer o corpo, lutar contra a gravidade
preguiça de acordar ou de concretizar o sono definitivo
preguiça de estender a mão, de tomar posse da doação
preguiça de nada receber a troco de coisa alguma
preguiça de descortinar o óbvio de obstruir o obtuso
preguiça de mentiras fáceis e verdades extenuantes
preguiça do tempo perdido e gasto em perdas concretas
preguiça de ações objetivas esmaecendo sonhos lânguidos
preguiça de planos, linhas retas intumescidas por um desvio permanente
preguiça de curvas enviesando caminhos já tortos
Preguiça da expectativa do fim do dia
que compreende um amanhã desapercebido
Preguiça do ponto final
que dará margem a um novo parágrafo
Preguiça de demarcar um fim, de concretizar um princípio
preguiça de, por fim, começar.

  

2005-12-20 22:08:00

       
  

Sem madeleine

Não tenho saudades de nada nem de
tempo nenhum.Tenho inclusive uma certa inveja daquele sentimento
proustiano de perceber o passado inteiro através do gosto de um biscoito
molhado no chá.Muito sofisticado e lírico e tal, mas os sabores que me
remeteriam a tempos remotos são repetidos ad nauseum, uma vez que, até
hoje, não vou muito além do leite e do suco de laranja.O passado apenas
se descortina diante de mim tal e qual uma possibilidade desperdiçada ou
mal aproveitada.Só me lembro de alguma coisa para em seguida me
arrepender dela.Benditos os mentirosos que dizem que nunca se
arrependeram.Eu me arrependo até de ter nascido às vezes.

Além desta falta de saudosismo e deste arrependimento
permanente, ainda me sobrevêm sentimentos mesquinhos de vingança
póstuma.Por exemplo, minha primeira paixão de adolescente com quem
troquei(ou partilhei?) meu primeiro beijo.Tudo muito bonitinho até ela
me trair com um primo meu.Pois bem.Qual não foi minha agradável surpresa
ao vê-la, anos depois, balofa com dois filhos horrendos passeando pela
cidade e o tal primo infame, por sua vez., casado com uma senhorita tão
cafona e horrenda que faria Yoko Ono saltitar de vaidade.

O passado sempre me vem retalhado de erros, confusões
, incompreensões.Quanto mais longínqua minha memória, mais forte a
impressão de que eu me comportava como idiota.Pior:a impressão-mais
terrível ainda- de que eu me dava com e admirava gente que hoje
considero patética.Tenho, por exemplo, e ao contrário de noventa por
cento da humanidade, pânico, pavor e horror da minha infância.A
dependência intelectual é a pior das prisões possíveis.Toda criança é ,
por definição, uma imbecil prisioneira de seus tutores.E a fase
seguinte, a adolescência, consegue ser ainda pior.Não tendo suficiente
estrutura intelectual para se perceber dentro do mundo e achando que já
tem esta estrutura, o adolescente parece uma gelatina, um amálgama de
posições conflitantes que já se julga ciente de si.Todo adolescente é um
coitado chato ou alguém que, por excesso ou falta de opiniões, nunca
sabe o que dizer ou sempre diz o que não devia no momento errado.Tudo
isto sem contar as espinhas e as roupas pavorosas.

Gosto mais um tiquinho de quem eu sou hoje em dia.Mas talvez seja
ilusão.Possivelmente daqui a alguns anos ,me julgarei tão imbecil quanto
agora julgo quem eu fui no passado.Bem, mas isto é preocupação do
futuro.Já bastam o presente e o passado para me atormentarem.

2005-12-14 21:57:00

       
  

Palpite aos palpiteiros

Nada melhor que dar palpite sobre
assuntos que não se entende muito.A rigor, em uma escala mais
abrangente, ninguém( nem mesmo os especialistas) entende muito do
que está falando.A mais rigor ainda, aliás, principalmente os
especialistas, porque estes tendem a discorrer sobre uma parcela do todo
com propriedade, se desfazendo do conjunto do todo.Um problema
mais metafísico que sociológico de nossos tempos:a especialização.Melhor
os generalistas, que dão uma pitada aqui , outra acolá, e que, na
mistureba dos compartimentos, dão alguma contribuiução para a
engrenagem.(Montaigne, por exemplo, era um palpiteiro de mão-e boca-
cheia).

Mas cuidado:Não confundir com o palpiteiro de ocasião
e ignorantão, que fala de tudo sem dizer nada.Se na teoria fica difícil
especificar o dito cujo, lá vai um exemplo prático e humano, o ditoso
presidente Lula, que fala muito e não diz nada.

A coisa das opiniões a torto e a direito vai além:nas
últimas décadas, com o espalho geral da democracia, todo muito teve
direito à voz.Muito bonitinho na essência e tal, mas na prática, o
negócio tem seus reveses.É muito idiota querendo dar pitaco em tudo que é
questão.E pior:alguns destes são ouvidos por zilhões de outros idiotas
que aderem à idiotice proclamada de uma qualquer opinião idiota,
formando um tenebroso exército de mentecaptos unidos.

Mais sutil e mais perigoso ainda: assim como não
existe sabedoria plena, também não há idiotice absoluta, e há mesmo
inúmeras pessoas respeitáveis, inteligentes mesmo, que são capazes de
cometer e dizer as mais estrambóticas asneiras.É o que chamo de
imbecilidade localizada. Mais ou menos como Chico Buarque e Ezra Pound
falando de política, invadindo setores em que não são(para fazer um
eufemismo gigantesco) exatamente ‘’experts’’.

E esta voz imbecilmente localizada de gente inteligente e talentosa é
ouvida e seguida como mantra por um monte de aduladores que não sabem
pensar por conta própria.E daí vem o paradoxo:a necessidade de uma certa
especialização, pelo menos no que tange ao palpite público.Artistas
deveriam apenas falar sobre arte? Economistas deveriam falar apenas
sobre economia? Não, claro, mas um pouco de bom senso ajuda na hora de
se discorrer sobre o que não se sabe muito.Pelo menos que se fale
baixinho.Uma idiotice cochichada é menos danosa que uma soprada aos
quatro ventos.O Chico(Buarque) por exemplo, faria um grande favor à
política brasileira se apenas compusesse e cantasse.

2005-12-09 13:22:00

       
  

Louvor

Abençoada a desgraça
que nos permite melhor perceber a Graça
 
Bendito o desgosto
que nos incita ao definitivo gosto
 
Bemvindo o desencanto
que nos descortina a real utopia
 
Louvadas as cores contrastantes
que misturadas concebem o mesmo branco.

2005-12-05 00:00:00

       
  

Custos e benefícios temporais de uma paixão

Tempos atrás li na revista Time que a
paixão durava em média uns quatro anos;agora me chega uma pesquisa
dizendo que um tal hormônio ou substância que nutre a paixão dura um só
minguado ano.Sinal dos tempos em que muito trabalho e pouco espaço para o
lazer não dão canja a sentimentos mais duradouros.Enfim, como se diz o
clichê, troca-se paixão por amor, companheirismo, amizade e estes outros
sentimentos mais comezinhos e bem menos emocionantes, sem prejuízo da
funcionalidade e da estabilidade do indivíduo.

Mas o clichê é de fato superficial e, com excusas da
redundância proposital, clicheresco mesmo.Por companheirismo, pode-se
ler preguiça.Ninguém tem saquitel suficiente para trocar de paixão todo
ano.Até porque se apaixonar é relativamente viável, já tornar-se alvo da
paixão pelo seu objeto de paixão é bem mais complicado.Vejam bem, odiar
é bem mais tranquilo, uma vez que seu ódio independe dos sentimentos da
criatura odiada.Se apaixonar por e amar alguém o torna presa do
objeto amado e aí está a nhaca estabelecida.Não acredito nem que a vaca
tussa em paixão milimetricamente igual, equânime entre os entes
passionais.Há sempre alguém que ama mais que outro alguém em um casal;há
sempre uma dose de rejeição implícita até em relacionamentos de mútua
afeição.Estabelecer esta assimetria por anos é um fardo meio cansativo,
não? Mas que diabos fazer? Dar uma de poeta romântico e sair à caça
de paixões fulminantes a duas por uma? Virar adepto da misoginia e do
onanismo sentimental?A rigor, as demais opções não necessariamente
comportam melhores resultados do que se entregar à preguiça e aproveitar
delicadamente a assimetria de correspondências amorosas e
sentimentais e a decadência de sentimentos em relação ao
progressivamente nem tanto ente amado.

A garantia é que nunca se concebe bem o tempo desta decadência
natural do sentimento amoroso .Sim, sim, há toda esta história de que,
ao contrário da paixão, o amor é eterno, mas nunca se discutiu a
fundo estas sucessivas metamorfoses porque passam o nobre
sentimento(Amor sem sexo e sem paixão? Não é mais ou menos o que você
sente por sua mãe?…).E se apaixonar e sucessivamente amar dá
trabalho.Manter uma relação em bases sólidas de diálogo;em bases
econômicas;em bases de balanceamento de idiossincrasias e neuroses
conflitantes, é para lá de custoso.E com este imbróglio todo que implica
a manutenção de um sentimento que naturalmente irá decair, por que não
trocar esta garantia de uma suave decadência pelo turbilhão de se
apaixonar sucessivas vezes?Questões de pesos e medidas que vão depender
de cada amador passional.No fundo e na superfície também, tudo é
complicado, até mesmo ficar parado sem fazer nada e não amar nada nem
ninguém ou amar sucessivas vezes.Figura utópica e mais tranquila
mesmo(embora tenha uns relances de tara também) talvez seja o amor
abstrato pela humanidade inteira, como fazem os padres, que não correm o
risco de uma rejeição direta ou da visibilidade a olho nu da decadência
de um sentimento.Mas, como já disse, a figura é utópica e o sentimento é
abstrato, porque o precursor dos abatinados tentou amar a humanidade
inteira de fato e deu no que deu: rejeitado por quase todo mundo
e pregado na cruz.A resposta amorosa e passional a Ele veio
postumamente, ou eternamente, segundo os mais etéreos.Mas nós ,
criaturas mais vulgares, sem aspirações a santidade nem a amor coletivo
preferimos uma coisa mais tête a tête, ainda que a tal coisa vá se
esvaindo aos poucos ou possa ser trabalhosamente renovada de tempos em
tempos.Amar o(a) próximo(a) como a ti mesmo.Sim, mas(no meu caso, ao
menos) amar algumas próximas específicas com maior
vigor, amando uma de cada vez enquanto a coisa dura. Que, no
sentido material do termo, amor coletivo é suruba.

  

2005-11-29 22:12:00

       
  

Fênix duvidosa

A virtude permanece imóvel diante de expectativas esmaecidas
Heroísmo tímido e avesso à sua libertação e outras possíveis
Grito que não queria calar já emudecendo
pela inaptidão da voz e indisposição de ouvidos indisponíveis
Pantomima canhestra da imitação de um vácuo entre intenção e ação
 
Ficarão para depois as célebres resoluções
Depois de antes da puberdade
quando sonhos infantes ainda eram férteis
Ficará para ontem o anseio pelo amanhã
 
Todos em marcha corajosa para a resignação lânguida
Caminho suave e tácito para a reforma uterina
Envelhecem olhares , vozes, ações , corpo
Rejuvenesce a obstrução de um desejo novo
atávico à volta de uma infância póstuma
tardia na ausência de propósitos definidos
renascida em sua inocente e novamente incipiente ignorância
Curiosidade morta diante das sucessivas respostas em forma de interrogação
 
Tardamos todos em nos libertar da placenta
para novamente reconstruirmos o hímen
Eternos fetos amadurecidos
ávidos desesperados por ação palavra
que nos reconduza ao parto definitivo

2005-11-25 04:51:00

       
  

Padrões

Percebemos que estamos envelhecendo
quando adquirimos certos padrões de comportamento, certos costumes que
se revelam indissociáveis de nossa personalidade.Desde os sintomas mais
naturais, quando sistematicamente dormimos de um lado da cama ou roemos
as unhas até quando adquirimos vícios ideológicos de um viés ou
outro.Envelhecer é ir perdendo paulatinamente o gosto da novidade das
coisas e nos adequarmos a um padrão construido por nós mesmos, seja de
que ordem for:filosófica, ideológica ou cotidiana e habitual .

Há os que se cercam de tamanho arcabouço de valores,
regras e opiniões fechadas que acabam por se tornarem prisioneiros de
suas próprias estruturas de comportamento e pensamento.São os
neurastênicos, adeptos a um único sentido de vida criado por eles e que
norteiam toda a sua vida baseados em seus pressupostos imutáveis.Bem,
uma certa dose de neurastenia paranóica é até salutar, visto que o
oposto, uma excessiva falta de padrões e opiniões caracteriza justamente
o que chamamos de um idiota completo, cujo hino é aquela velha canção
daquele barbudinho Hipponga de shopping center que clamava ser ‘’esta
eterna metamorfose ambulante’’.Sim, sim, senhores, muitas pretensas
libertações de atitude e comportamento nada mais são que franca apologia
à imbecilidade.

E como balancear esta neurastenia de padrões
fixos com um certo despredimento de valores? Ora, sei lá eu.O fato é que
todos estamos condenados a ter opinião sobre seja lá o que for,
principalmente sobre assuntos que não conhecemos, que sempre serão
maioria absoluta:quer seja sobre política,gastronomia, sexo, vestuário,
sempre estamos condenados a carregar bandeiras, sejam elas visíveis ou
invisíveis, estando sempre implícitas em nosso comportamento.Andar na
rua, se vestir, comer, etc, implica em revelar gostos, e ,portanto,
em revelar uma personalidade.Talvez mesmo as assim
chamadas verdades absolutas se circunscrevam a gostos particulares,
desde uma preferência por feijoada ou sushi ou uma preferência por
Nietzsche ou Kant.

Mas antes que me sobrevenham os elogios dos
relativistas e antropólogos que fazem pulular os discursos de
que tudo é relativo, devo dizer que sempre há um vencedor nestas
opiniões contrastantes.Esta história de culturas e verdades que se
complementam é balela.A arte e a verdade(melhor:o entendimento do que
seja a verdade) são fruto do conflito de idéias, de gerações,
de aspirações, de ideais.Nada se conquista pelo casto diálogo.A
imposição é sempre feita no tapa, quer seja pelo tapa simbólico ou real
mesmo.

Viver é brigar pelos seus ideais, por suas
convicções, mesmo que seja para provar que comida ocidental é bem melhor
que a oriental.Se há uma mistura aqui e acolá, é eventual e
esporádica.Bach não combina com candomblé e nem feijão com estrogonofe,
embora sempre haja excêntricos querendo provar o contrário.Pode haver um
respeito a qualquer manifestação de gostos e idéias diferentes dos seus
, mas sempre, intimamente, haverá aquela fagulha de disputa , aquela
sensação quase que instintiva de querer provar que seus gostos e idéias
são mais saborosos que os de outrem.Pode parecer exagero, mas este
embate é todo o princípio que forma a evolução cultural da
humanidade.

E portanto , para não me acusarem de pusilanimidade,
atesto aqui a superioridade da feijoada em relação ao sushi.E
pronto:deixo aqui minha contribuição pessoal ao processo evolutivo
cultural da humanidade.

  

2005-11-21 06:22:00

       
  

Acepções miseráveis da miséria

Pobre, miserável e maltrapilho.São
as características básicas de noventa por cento das personagens que
povoam a retomada do cinema brasileiro.Trocou-se a vulgaridade explícita
da pornochanchada da década de setenta pela rotunda sisudez da
preocupação social.E também nada de metáforas e alegorias, como faziam
os cineastas do cinema novo.O pobre cinematográfico contemporâneo
brasileiro agora tem que chorar, furunfar, comer de boca aberta
realisticamente, como  fazem nas telenovelas.Disse preocupação
social? Bem, nem tanto assim. Talvez um sentimento de dor de consciência
somado a um oportunismo bem baratinho.Reparem, por exemplo,como Walter
Salles Jr parece pedir desculpas por ter nascido filho de banqueiro em
cada filme seu que invariavelmente vem com a história de miséria e
heroísmo social.O esqueminha até funciona, às vezes.Mas quase sempre soa
apenas como um estereótipo reforçado do bom selvagem Rousseaniano:o
puro corrompido pela adversidade social, a vítima do capitalismo
selvagem, e blá blá blá.

O cinema, neste caso, é apenas uma ícone de um
processo mais amplo.A questão é: esta miserabilidade fashion seria um
crítica social ou uma celebração de certos aspectos folclóricos da
miserabilidade tupiniquim? Toda a intelectualidade brasileira sempre
teve um certo deslumbre pela miséria do país.Não por acaso, o
nordeste sempre foi o foco principal de discussão sobre uma suposta
identidade nacional.O sofrido, carrancudo , estereotipado e
vitimado nordestino, mimado como o exemplo de resistência, bravura e
vitimização do brasileiro esfarrapado,que tem lá seus consolos em uma ou
duas batucadas durante o ano.O sul do país, coitado, com sua população
menos miserável e menos esfarrapada e suas loiras de olhos claros,
fica relegado a segundo plano, por ser mais enfadonhamente desenvolvido e
não se adaptar aos cânones do clichê nacional do que é ser
brasileiro.Se pensa demais,se não sofre demais, se não passa fome e se
não é vítima da violência(ou bandido mesmo), então não entra no filão
dos estudos de artistas e intelectuais tupiniquins.Conflitos, claro, só
os sociais.Metafísica é coisa de gentinha hiper desenvolvida, segundo o
grosso de nossos artistas e intelectuais.

Este padrão indica não só a miséria-mais miserável
que a miséria real dos miseráveis- do pensamento nacional, como também
demonstra um gosto masoquista pelo subdesenvolvimento.’’Somos
diferentes, porque não sabemos caminhar com as próprias pernas, porque
somos eminentemente desorganizados, porque cultivamos um caráter ambíguo
e não necessariamente ganhamos o pão como o suor do nosso rosto, que
nos é tomado na maioria das vezes(então que tal tomarmos de volta de
quem nos tomou?)’’.E daí nasce o tradicional personagem clássico do
folclore nacional:o brasileiro espertinho, subdesenvolvido, levemente
corrupto ,indignado com a corrupção alheia, leniente com os próprios
pecadilhos, que seriam, claro, fruto de sua luta contra o poder
esmagador do capital.E aí a dúvida:este seria um personagem construído
ou já estas ‘’virtudes’’ seriam tão arraigadas no imaginário nacional
que deixaram de ser cultivadas por nossa intelligentsia e se tornaram de
fato reais e inerentes à nossa personalidade? Sim, porque brasileiro
que preza o próprio clichê já nasce coitado.Estréia >

Se acham que exagero, tentem procurar algum filme, livro nacional que
seja que fale a respeito de gente inteligente e sofisticada.Uma
raridade.Gente que pensa por conta própria ,que concatena idéias, que
não dá tiros, que toma banho todo dia e que não come jerimun com farofa é
avis rara no cenário artístico nacional.Marionetes martirizadas dão
muito mais frutos e dividendos estéticos, segundo o imaginário dos
pensadores e criadores da terrinha.Reza a lenda que, para eles, Filmes
de Woody Allen, Ingmar Bergman e peças de Beckett são pecados mortais do
mundo imperialista.