2005-06-16 23:30:00

       
  

Em (des)verdade

 A verdade me persegue

 

me esquadrinha nos becos
me esteriliza em paz insípida
torce minhas dúvidas em repouso

A verdade me conduz
à cegueira da visão consentida
bloqueia minhas encruzilhadas e tangentes
obstrui a invenção de mim mesmo

A verdade não salva
e aprisiona libertações feéricas
rende sorrisos 
complacentemente desdentados
vilipendia a imprudência redentora
limita a criação lúdica
de algo mais que a verdade

A verdade limita, mente ao se proclamar plena
e aliena tergiversações possíveis e necessárias

Em verdade, a verdade não se materializa
torna-se palpável de acordo com a correnteza

Em verdade, em paradoxo sofisma,
verdade não há
(primeira e derradeira verdade mentida)
apenas o consolo desconsolado
de pontes movediças
que conduzem à margem
de precipícios sólidos

Em verdade, há o caminho 
a ser construído
em solo movediço

há o aceno ao longe de algo a ser perseguido
há a fuga da sombra inefável que persegue
há a tentativa de desapego ao chão limitador
calçado em verdade movediça

Em verdade,há a possibilidade
da desverdade lírica de cada mentira bem intencionada
que arromba todo o embotamento de convicções surdas
e restaura a recriação de uma recorrente ressurreição.

 

 

  

2005-06-13 01:38:00

       
  

A perigosíssima invasão dos novos bárbaros

Conheço pessoalmente uma meia dúzia
de antropólogos e mais uns tantos que já vi e ouvi
‘’midiaticamente’’.Todos eles usam ou já usaram rabo de cavalo,
cavanhaque e óculos, simbolizando uma extravagante simbiose de acadêmico
com cacique Cheyenne .Parece haver um simetria estética na atuação
deste grupo, o que de certa forma vai contra as premissas de libertação
cultural da antropologia.Há por parte destes senhores uma preocupação
tão intensa em parecerem liberais quanto a usos e costumes que acabam
criando um padrão de libertação de vestuário, aparência e
comportamento.Resta avisar a estes senhores que o conceito de
‘’libertação’’ não se coaduna ao de ‘’padrão’’.

Vejam bem, a coisa parece ser bobinha, mas não
é.Antropólogos ganharam status demais no século passado e têm uma
tendência inexorável à chatice e ao discurso oco, além de , em geral, se
vestirem muito mal.Oh, longe de mim desmerecer os pressupostos básicos
da antropologia, ciência emérita que se propõe a estudar as origens e a
cultura do homem.Mas convenhamos que certas adjacências da antropolgia
configuram a base de todo o porre do século xx, que se arrasta(m) pelo
comecinho deste novo milênio.

Dois dos mais graves são o relativismo e a abstenção
de juízos de valor, que no fundo são a mesma coisa.Para o relativismo
antropológico , uma sinfonia de Beethoven tem o mesmo valor simbólico
que um batuque tribal de Uganda, e assassinatos podem ser tratados como
normais, dependendo do contexto religioso, étnico ou regional.

Acham que é exagero?Pois bem, um certo antropólogo,
antigo professor meu de faculdade chegou a comparar a castração de
mulheres em regiões da África à depilação das mulheres
ocidentais.Segundo este meu ex-professor, tudo isto faz parte de um
contexto de violência consentida culturalmente ao corpo.Sério mesmo.Ele
dizia isto alisando os longos cabelos grisalhos e coçando a barbicha de
indígena intelectualizado e sabichão.Quando eu, obscurantista
etnocêntrico que sou(nos dizeres dele), quis protestar contra este
liberalismo amoral, o liberal professor me condenou a entrevistar
inúmeros metaleiros evangélicos como castigo à minha insubordinação
contra a sua tese de ampla liberdade de pensamento…

Pode parecer piada, e é mesmo:uma piada real e de mau
gosto.Se fosse apenas pela chatice endêmica destes antropólogos, eu
sequer escreveria isto aqui.Mas acredito que a abstenção de juízos de
valor não seja apenas um formalismo tolo e intelectualóide.Ao contrário
do que almeja, ele promove a antipatia entre diferentes culturas, ainda
que seja uma antipatia velada por pudores politicamente corretos.Quando
fiz as entrevistas com os tais metaleiros evangélicos, a despeito de um
sorriso complacente que ofereci a todos eles, tinha vontade de dizer a
todos que Rock é coisa do capeta mesmo(e olhem que detesto Rock
também).Não dá, entendem?A cultura é um processo competitivo, em que os
melhores sobrevivem.Acredito em uma hegemonia ética, moral e
artística.Não me sinto no dever de respeitar quem castra mulheres por
preceitos religiosos ou quem diga que o Axé Music tem a mesma
importância cultural que a obra de Bach.O relativismo antropológico
comedido é chatinho.Mais amplificado, torna-se nefasto.

Por isto, cortemos os cabelos de pajé destes pseudo intelectuais e
incutamos nas cabeças deles que todo ato de pensamento é, em si, um ato
de julgamento.Estamos condenados a julgar tudo aquilo que vemos, com
maior ou menor grau de erro, dependendo do poder de avaliação crítica
estética, moral, ética e intelectual de cada um.Eu, por exemplo, tenho
horror à Heavy Metal(seja de Deus ou do diabo), castração de
mulheres,Axé Music e antropólogos cabeludos com cara de índio
nambiquara.Sobre estes últimos, como um gentil homem ocidental, devo
dizer enfaticamente:são uns bárbaros.

  

2005-06-07 21:49:00

       
  

Quase sem sentido

Foi-se o tempo em que as coisas
faziam sentido.Em tudo, digo. Arte, política, sociologia,
religião,etc.Tudo que tenha um sentido claro, cartesiano, com princípio,
meio e fim é recebido hoje com sorrisinhos de escárnio e
desconfiança.Muito sem graça este negócio de não haver mais oportunidade
de um belo discurso claro e pedagógico de boas intenções,
algo quase utópico e ingênuo hoje em dia.E ainda ser recebido com
muxoxos de desconfiança e menosprezo quando se tenta algo do tipo.

O pior é que este parece um caminho sem volta.Vejam o
cinema, por exemplo:quando vejo um filme americano hoje em dia, me dá
saudades do cinema noir dos anos quarenta.Em preto e branco, o sentido
que se fazia era mais realista, justamente pela impressão de um certo
distanciamento consentido da realidade.Aquilo não convencia ninguém, mas
divertia, como todo o sentido fabricado da vida.O
aparente realismo do cinema americano de hoje é bobo, infantil e se
leva a sério;é, em suma, um cinema infantilizado e metido a besta, que
todo o resto do mundo copia, como macaquitos.Restam alguns
imitadores de Godard, de Fellini, Bergman e outros que tentam –em vão-
não fazer sentido.Mas falta-lhes competência, pobres coitados.Não fazer
sentido com talento  não é para qualquer um.A aparente falta
de sentido fabricada por  alguns gênios da arte revela
um sentido encoberto, multifacetado e complexo, privilégio de quem
tem talento para não  fazer sentido no sentido claro do
termo.Então o problema de quem tenta-sem sucesso-não fazer
sentido:incompetência sem sentido é menos identificável que com
sentido.Por isto a profusão de pseudo artistas que grassam por aí.

O cinema é só um exemplo que arrola uma infinidade de
outras áreas:literatura, teatro, música, artes plásticas, etc.O
primeiro culpado de tudo isto foi mesmo o Marcel Duchamp, com esta
história do ‘’self made’’, de que tudo é arte , dependendo do contexto,
até mesmo uma roda de bicicleta descoberta ao acaso.É arte nada.Arte
pressupõe criação, imaginação,construção humana com fins
deliberadamente artísticos.A roda de bicicleta não sai de seu
contexto utilitário só por causa da imaginação transubstanciadora de
alguém.Sem o discurso de blábláblá de Duchamp, quero ver alguém olhar
para todas as rodas de bicicletas do planeta com olhares densos e
profundos de críticos de arte.Talvez fosse este o sonho de Duchamp
mesmo.Transformar todo o mundo em um exército de pedantões sofsticados e
fruidores artísticos.Todo mundo meio esquisito e afrescalhado, como
ele, Duchamp.

Mas não adianta choramingar que o sentido morreu
mesmo.Olhem para a cara de Lula ou de Bush e vejam se não parecem com
personagens de ficção mal feita, de romance ‘’B’’ de espionagem ou de
filme de guerra de terceira categoria.O mundo virou uma obra de arte mal
elaborada, uma roda de Duchamp sem discurso, uma instalação de museu de
arte moderna.

E ai daquele que tenta fazer sentido.Falo por
experiência própria.Uma amiga minha riu na minha cara quando eu lhe
disse que amar era o único sentido da vida;me disse que eu vivia um
conto de fadas psicanaliticamente mal resolvido.Outro amigo meu me
esnobou quando eu disse que havia detestado uma peça em que os atores se
limitavam a brincar de balanço fazendo movimentos ‘’epifânicos’’
durante um hora de espetáculo.’’Você precisa estudar epistemologia’’,
disse-me ele.

É duro, eu sei.Sou uma peça de museu de arte de retaguarda.Um filme
em preto e branco, uma tentativa patética de se fazer sentido.Nem mesmo
eu suporto esta minha mania de querer chorar de tristeza por não
encontrar sentido em mais coisa nenhuma, coisa típica de romances
sentimentais para senhoras que insistiam irritantemente em ter começo,
meio e fim.Ainda por cima, tudo muito mal escrito, como esta crônica
quase sem sentido.Quase, eu disse.


  

2005-06-04 12:33:00

       
  

Não destemperado

A cada não, nova epifania de desencanto destoante
um novo verso capenga de melancolia esquálida
que encobrirá tumores fundos com estéticas rasas
 
A cada negativa peremptória, a afirmação da perseverança
o sorriso quase embotado porém confiante
de uma vitória final que não finda em não começar
 
Discrepâncias de assertivas tortuosas enviesadas
traduzindo recusas ostensivas rejeições incisivas
nuanças várias de um mesmo não positivamente afirmativo
 
que teima em brotar obstinado a cada instante
travestido em roupagem nova e variada:
novo rosto contrafeito,novo aceno negado
novo gesto de recusa,novo murmúrio indiferente
velho desmazelo de vontade contrariada
 
Soma de negativas acumuladas em bloco
reverberando contrastes rebuscados em resposta
a expectativas cristalinas em linha reta
a insipidez nauseante ante o gosto utópico
do objeto puro e saboroso a ser degustado
 
que não se prova porém
que se mantém equidistante
entre o aroma de um sim
que se percebe ao longe
e o destempero de um não
que atropela cheiros sabores paladares
 
De sobremesa a sobrevida ao tempero do desgosto
que incitará apetites não saciados
digeridos por pressentidas negativas em bloco
 
 
a revigorar o corpo
a passos contrários em descaminho sempre em frente
qual carangueijo de olhos vedados e boca aberta
a sorver o gosto da maré contrária.

  

2005-05-31 22:58:00

       
  

Apoteose e queda de um zé povinho simbólico

Abundam os discursos, ou pelo menos
abundavam, que dizem ou que diziam que a eleição de Lula tinha um forte
caráter simbólico.Um homem oriundo das >

Ah, longe de mim questionar as habilidades poéticas
de Zuenir ou contestar os parâmetros de Ziraldo, mas o fato é que houve
sim, a despeito de minhas pérfidas ironias, um caráter simbólico
inquestionável na eleição de Lula.O homem era mesmo legítimo
representante do populacho.Um ‘’igual’’ não só de Ziraldo, mas de todo
zé mané da esquina, vítima do eterno subdesenvolvimento brasileiro,
alguém semi alfabetizado, bonachão, falastrão, sem maiores habilidades,e
que acha que pode resover tudo no bico doce.Um legítimo brasileiro,
claro, o Sr. Lula da Silva.E deu no que deu:a comprovação de que não é
por baixo que se resolvem as coisas, a constatação de que o zé mané,
enquanto não for devidamente trabalhado, não consegue ser outra coisa a
não ser o zé mané mesmo, ainda que se torne papa, rei ou presidente da
república.

Os desdobramentos funestos da eleição simbólica
de Lula são muito mais edificantes e pedagógicos que o seu simbolismo em
si.O governo de Lula provou e prova ser inepto, antiético, incompetente
em matéria de gestão, e o que é pior, sem caráter: copiando a risca o
modelo econômico a que sempre se opôs.Sua aspiração máxima é ser um
adendo do governo passado.Com esta soma de falta de caráter e
incompetência, Lula vem paulatinamente destruindo o mito que se formou
em torno dele e de sua eleição.O que é ótimo para todos nós.Um país que
se preze, com mais de quinhentos aninhos, não pode adotar um mito
messiânico e utópico como salvador da pátria.Não dá.Já era mais que hora
de sairmos deste infantilismo elementar.A corrosão da mitificação de
Lula tem um caráter redentor para a boçalidade entranhada nos
brasileiros.Descobrimos enfim que Marx era meio ingênuo mesmo;que luta
de >

A eleição e queda simbólicas de Lula provaram que das
massas não surge nada além de um arroto ,fruto de empazinamento com
cerveja. Quando digo massas, digo em sentido geral. Lula é sim oriundo
das massas, no sentido de uma massa sem rosto, sem personalidade, sem
originalidade, ostensivamente medíocre;de uma massa que não conhece
limites de condição sócio-econômica. Se o bom e bem intencionado Lula no
passado fez piquete em porta de fábrica, também isto não prova muita
coisa a seu favor, a não ser que ele é bom de reclamar.E péssimo de
fazer, como se prova agora.Ora, bom de reclamar todos nós somos, não?
Então onde residiria o último resquício de personalidade carismática de
lula? Em suas boas intenções? Ora, eu mesmo sou um rapaz bem
intencionado.Em seu apreço popular por frango com polenta? Ora de novo,
popular por popular, o Fernando Henrique gostava de buchada de bode…

Resta então esta identificação melancólica com o populacho:o
português mal articulado, a fanfarronice e a vulgaridade latente.Foi
isto que sobrou do mito ”Lula”.E, no fundo, foram estas
características que o originaram. Lembro-me que seu adversário José
Serra também tinha origem humilde, tendo sido criado na periferia, filho
de camelô.Mas Serra havia estudado, não falava errado e não
dizia disparates. No subconsciente popular, isto
equivalia dizer que Serra havia ”traído” suas origens populares.O
verdadeiro simbolismo que elegeu lula foi o complexo de inferioridade
do brasileiro:a identificação do populacho(no pior sentido da palavra)
com alguém que lhe era seu ”igual”, menos ”igual” ao Ziraldo, mais
”igual” ao zé povinho mesmo.E é baseado neste complexo de
inferioridade e nesta identificação patética que Lula
ainda poderá ser reeleito.Alguém duvida?Meus amigos, não há limites para
o obscurantismo tupiniquim.

  

2005-05-28 13:40:00

       
  

Discussão de gosto

A origem da tragédia da falta de
gosto que impera e grassa hoje em nossos tempos se apóia quase que
totalmente no preceito democrático do ‘’gosto não se discute’’.Certos
chavões como este chegam a formar uma geração inteira de palermas.Gosto
se discute sim senhores.A discussão de gosto é a única capaz de mudar
paradigmas viciados e subverter tabus estéreis.

O que é a estética, um ramo da filosofia , que a
grosso modo nada mais que é que a discussão permanente de gostos
pessoais , coletivos?Sem ela, estamos perdidos no limbo da falta de
gosto, das convenções medíocres de padrões coletivos.O coletivo não
produz bom gosto, apenas clichês consensuais.Vejam bem , não disse mau
gosto, que este eventualmente até tem seu lugar na formação cultural e
até mesmo artística de um indivíuduo ou de um povo;disse ‘’falta de
gosto’’, o que é diferente.O próprio Nélson Rodrigues dizia que a melhor
contribuição que ele havia dado ao teatro era o seu ‘’mau gosto
agressivo’’.Alguns artistas têm o privilégio idiossincrático de revelar
sua genialidade através de seu mau gosto ostensivo, que pode ser
traduzido em uma cusparada na hipocrisia social.Além de Nélson, podemos
citar vários gostos grosseiros na história arte que deram certo como
Sade, Céline, Artaud,Balzac, Pasolini, Fellini e inúmeros outros.Há algo
de barroco neste mau gosto rebuscado e vice versa.Mas há que se ter
cuidado:a agressão artística do mau gosto é privilégio de gênios da
arte.Mau gosto de populacho é pura e simplesmente mau gosto mesmo, sem
maiores aspirações.

Mas eu falava da falta de gosto, o que é terrível.Que
pode ser interpretada também como o gosto medíocre, que impera em
nossos tempos.Reparem, não há espaço hoje para epopéias, para grandes
criações e criadores, não há mais espaço para (o termo é pedante,mas eu
gosto, ué) grande arte.Tudo se reduz ao cinismo, à ironia,a um certo
distanciamento, em razão do desapreço antropológico por verdades
absolutas.Longe de mim querer preconizar a volta a um tempo de
revelações bíblicas, mas, por exemplo, acredito que a obra de Homero ou,
mais moderninho, de Proust, falam mais ao nosso tempo que qualquer
escritor contemporâneo.Não basta ser irônico, é preciso ser trágico,
senhores.Senão, tudo se resume a uns sorrisinhos de escárnio que não
levam a lugar nenhum.Este gosto mediano da comédia fácil e ligeira,’’pós
moderna’’, aparentemente sofisticada, está nos empurrando para um
buraco de pedantismo oco e vazio.É o falso bom gosto, o gosto mediano,
potencialmente mais insalubre que o gosto vulgar, a meu ver.Como diz
Ariano Suassuna,em arte é preferível o mau gosto ao gosto médio.

Pois creio eu que a frase de Suassuna pode ser estendida a todos os
níveis da ação humana.Já viram alguém que ama mais ou menos, que se
apaixona mais ou menos, que odeia, que trabalha, que se sacrifica, que
se veste, come, namora, faz sexo mais ou menos?Já viram?Claro que já.É o
que mais existe em nossos tempos. Vivemos a cultura do mais ou menos,
do mediano.Tudo isto em decorrência da queda dos padrões de gosto em
nossas vidas, fruto de muito seriadinho da Warner, de filmes da Lassie
na sessão da tarde, de domingos inteiros de Fausto Silva e Gugu
Liberato, de livros de auto ajuda, de terapias alternativas baseadas em
cristais, e bilhões de outros exemplos.Não quero crucificar o
entretenimento vazio, coisa de que também sou adepto, às
vezes.Mas(perdoem a redundância proposital) o excesso abunda.Certo que
arte é exceção, mas o que se vê hoje é a ausência da arte.Toda vez que
se quer ter uma experienciazinha de transcendência, é preciso vasculhar
nas gavetas do passado, ressuscitar velhos tratados, reerguer grandes
obras.Assim não dá.Tempinho chinfrim e sem gosto este nosso.Credo.

  

2005-05-24 21:45:00

       
  

Saldo possível

Ainda há tempo a se perder
erros crassos a serem cometidos
desvios a serem tomados
quedas a serem erguidas
 
Ainda há vida a ser inutilizada
antes da morte que é o alvorecer da consciência
ainda há breus que iluminam desenganos
sabores insípidos a amenizar desgostos
 
Ainda há pela frente amplo espaço de fuga
o plano de um desmoronamente elaborado
a arquitetura de uma corrosão planificada
 
Ainda este esboço de um silêncio orquestrado
o monumento à paisagem fria e tácita do esquecimento
homenagem à utopia translúcida da desmemória
 
Ainda e sempre o gosto anterior ao amadurecer
a retomada irresponsável de uma infância perpetrada
antes do apodrecer dos frutos e da queda das ilusões
 
Ainda e antes do fim este permanecer estratificado
este abocanhar invisível de um momento que escapa
este agarrar inviável e complacente a uma vida que se esvai
 
Apelo irrestrito de permanência
o chamado etéreo e irresistível
de uma vida a ser inventada
de uma mentira a ser elaborada
de uma verdade a ser forjada
 
A gênese da imortalidade
pelo adiamento da realidade
O sono sonhado
contra um despertar inútil
 
Ainda
sempre e prazeirosamente ainda

  

2005-05-21 14:45:00

       
  

Pseudo arte, política e oportunismo

O pintor colombiano Fernando Botero
está realizando na Europa uma exposição de uma série de obras em que
pinta os horrores das torturas cometidas em Abu Ghraib pelos americanos
durante a guerra do Iraque.Com isto, claro, conseguiu alardear seu nome
junto ao panteão dos politicamente corretos e membros distintos da
esquerda festiva.Os tons de sua obra(ostensivamente medíocre, a meu ver)
sequer são mencionados, tendo em vista os motivos supostamente
‘’fortes’’ que representou.

Não quero negar a tortura que aconteceu no Iraque,
mas sim afirmar aqui a falta de limites da picaretagem artística que se
alastra em nossos tempos.Por que diabos Botero, um pintorzinho
maneirista, de tons sempre amenos, agora resolveu falar de tortura, em
um contexto que esculhamba os ‘’cruéis ianques’’ e sua suposta sede
imperialista?Será só agora que o puro Botero descobriu que toda guerra é
suja e que nela perversidades são cometidas?Ou será que o latino pintor
que reside justamente em Nova York resolveu tirar uma lasquinha da
ojeriza de todo o mundo em relação aos EUA em benefício da própria
carreira?O que acham, hein?

Ou então vejamos:por que será que o casto Botero
nunca pintou os horrores e atrocidades do regime autocrático de Saddam
Hussein?Ou os horrores cometidos contra os direitos humanos no
Afeganistão antes da invasão americana?Claro que o inocente Botero sabia
de antemão que a esquerda festiva sempre zelou pela soberania dos povos
e de sua independência, ainda que esta independência significasse a
existência de ditaduras e que custasse a vida de milhares de pessoas que
se rebelassem contra estes estados autocráticos.Não, Botero sabe que
pintar o óbvio ululante não dá ibope, ainda mais contrariando os
interesses da esquerda festiva.Botero foi justamente se chocar com as
atrocidades cometidas pelos sempre democratas americanos,que sempre
julgou bonzinhos e acolhedores, como se nunca soubesse do que houve no
Vietnã, como se desconhecesse a inteira história dos Estados unidos,
país- é bom salientar -onde vive.

Nada mais conveniente então que um pintor latino
americano , aos setenta e dois anos de idade, se rebelar contra o
imperialismo americano. Nada mais lucrativo, nada mais rendoso e de
acordo com os discursos políticos que ora grassam por aí.Botero sabe o
que faz.Só não faz arte:faz auto-promoção.

Mas não se enganem.O exemplo da picaretagem de Botero não é único.Ele
é apenas símbolo de um estado de decadência de todos os valores
artísticos em apologia ao discurso vazio do politicamente correto, que
no fundo é o politicamente imbecil e perverso, uma vez que a estupidez
traduz os vícios provenientes da ignorância, da cegueira total das
percepções e do pensamento.Botero não é um artista, é um político sem
escrúpulos que tira proveito do próprio discurso oco.O pior não é ele, o
pior mesmo é a sua platéia.


  

2005-05-17 18:17:00

       
  

Em defesa da vida.E da morte também.

Não consigo entender quem é contra a
eutanásia.Entendo como respeito à vida o direito de fazer com ela o que
se bem entende, inclusive desistir dela, quando não há possibilidade de
continuar vivendo sem dignidade.Certas vidas já são quase póstumas em
determinadas circunstâncias, e a eutanásia então já não se circunscreve à
perda de condições físicas de se continuar vivendo, mas à perda de
condições morais ou afetivas de ainda se viver.A eutanásia aqui ganha o
nome de suicídio. A meu ver, um pleno direito de um indivíduo.

Tendo a respeitar qualquer posicionamento religioso
ou metafísico que defina o valor de uma vida, mas respeito ainda mais as
liberdades individiuais de uma pessoa.A vida de cada um pertence única e
exclusivamente a este cada um.Se alguém acha que a vida é dom divino e
que não nos pertence, então que ele viva de acordo com os pressupostos
que ele definiu para a própria vida, mas que não venha meter o bedelho
na vida alheia e impor seus pressupostos como regras gerais de
comportamento humano.

Eu, cá pra mim, dou um valor relativo às coisas
concretas, que dirá de abstrações etéreas como a vida em si. Abstração
etérea sim senhores.Chega a ser um clichê a falta de sentido que há em
viver.Se nasce, se morre, se ama, se copula e se morre.Tudo isto sem
direção ou definição certa.Claro que havemos por bem inventarmos
sentidos vários em viver, desde os religiosos até os filosóficos.Estas
construções são todas necessárias à sobrevivência, mas acredito que
quando estas construções desabam, nada mais há que se fazer que
tentar descobrir outras estruturas ainda mais etéreas para se
tentar fazer sentido, ainda que seja o sentido da morte, que,
convenhamos, também não faz muito sentido.Trocamos uma falta de sentido
por outra quando morremos.Mas quando não há mais sequer prazer físico em
se continuar vivendo, defendo plenamente o direito da busca de faltas
de sentidos que possam compensar outras, se é que me entendem.E se não
há sequer a possibilidade de escolha, não havendo consciência ou
atividade cerebral, então a coisa se torna redundante:troca-se um estado
de inconsciência por outro.Uma perda pela perda.Um pleonasmo.Com a
vantagem da possibilidade de qualquer surpresa do lado de lá.

Não, não me entendam mal.Não faço aqui nenhum tipo de apologia ao
suicídio(à eutanásia, sim).Até porque não me suicidei, embora tenha lá
meus motivos para o ato.E não, não se assustem de novo, todos temos
razões de sobra para o suicídio.Uns mais, outros menos.Mas sinceramente,
desconfio seriamente de quem nunca na vida pensou em se suicidar.Dar o
devido valor à vida significa antes ter em mente as devidas implicações
do que seria a possibilidade de morrer.Sofisma?Claro que não.Pois se não
sabemos direito sequer as implicações do que é viver, ora esta…

  

2005-05-14 14:42:00

       
  

Um certo andar

Minhas raízes eu prendo ao vento
minhas origens se revelam em sendo
me crio na projeção de um verbo particípio contínuo
em uma constante em busca de sentidos dispersos
 
Deixo ao léu o legado de quem sou ou seria
não há sombra estática que me prenda a mim mesmo
minha alforria é minha morte que me espreita iminente
minha descrição objetiva é o do esboço de meu futuro cadáver
 
Não deixo rastros. Apenas intenções enviesadas
falsas pegadas logo apagadas por recorrentes recontruções
Desbravo o caminho inverso da busca de mim mesmo
qual feto que volta ao aconchego do útero materno
e reencontra o conforto de um nada atávico
 
Nada ainda não foi o que achei.
Permaneço à caça de vazios
que transbordam de quase tudo.
Quase nada foi o que me revelou
todo este processo.
 
Me esforço no não reconhecimento de nomes familiares
que me prendam a uma forçosa e redundante linha reta.
Meu caminho é uma tangente com os olhos virados para cima
Fuga, dirão?Não, apenas um caminhar mais de acordo às circunstâncias
Um desafino descompassado cartesianamenmte calculado.