2004-09-19 11:48:00

       
  

Minoria de um, com muito orgulho

A câmera fecha em close no rosto:o olhar lancinante, a boca trêmula, o
semblante pálido ressaltam a indignação quase furiosa do homem que
vocifera em tom trágico: ‘’é o fim, é o fim!’’Não , não é o prenúncio da
terceira guerra mundial nem a cena de uma telenovela mexicana. É apenas
um comentarista de futebol revoltado contra o rebaixamento de sei lá
qual time.

O Brasil é o país do futebol.Acredito.Segundo estudos,a maioria da
população prefere um jogo de copa do mundo com a seleção a uma noite de
amor com a mulher que ama.A paixão do brasileiro é o futebol.Uma paixão
maior do que a mulher , do que o sexo.

Existe um único brasileiro que despreza o futebol:eu.A coisa me dá
nos nervos.Um esportezinho chato, capenga, em que vinte e dois marmanjos
tentam deseperadamente enfiar uma pelota na rede por uma hora e meia.(o
menosprezo é claro, mas admitam, a descrição é exata).E por isto
vociferam e discutem apaixonadamente como se discutissem a iminência de
uma hecatombe nuclear.A paixão dos brasileiros pelo futebol é
imensurável.Só não é mais gigantesca do que o meu desprezo pelo esporte.

‘’Infeliz do país que precisa de heróis’’, dizia Brecht. Infeliz de
um país que necessita de heróicos sujeitinhos desarticulados,
semi-alfabetizados, que por saberem chutar direitinho uma pelota se
transformam em ícones nacionais.A tragédia maior brasileira não é
precisar de heróis, é transformar em heróis gente que não tem nada a
dizer, nada a acrescentar.

‘’Ah, mas o esporte não precisa de gente que tem o que dizer’’.Pior
para o esporte, ora.Nunca concebi a idéia de me divertir vendo um bando
de gente suarenta competindo, tentando se superar fisicamente.Para que,
com qual propósito? Todo esporte é um contrasenso.A competição é
inerente ao ser humano.Mas toda competição , até mesmo uma guerra, tem
um objetivo prático, visível.No esporte, não.Se vence pelo prazer de
vencer, pura e simplesmente. É a necessidade primária, primitiva do ser
humano de querer ser o melhor.Freud pode até explicar, mas eu tenho
preguiça de ouvir a explicação.Esporte é chato, é sem sentido.E o
futebol é o maior representante deste apalermamento de consciências.

Pior que um jogador de futebol é o torcedor.O jogador ainda tem a
desculpa de estar exercendo a sua competição individual.O torcedor é um
pobre ”voyeur” que extrai seu prazer na vitória alheia.É
patológico.Uma maioria de milhões de torcedores que sejam não justificam
este comportamento patético .Dane-se a maioria de apaixonados pelo
futebol.Maioria quase nunca tem razão.Jesus Cristo que o diga.

Mais baixo e desprezível do que o torcedor comum de futebol é o
comentarista de futebol.É o pateta patológico credenciado.A figura é o
equivalente a um meninote especialista em bolinha de gude em estado
adulto.Um especialista naquilo que é invenção mais pobre e vazia da
história da humanidade:o esporte;o futebol.Especialista em bolha de
sabão.

Por isto torço francamente pela corrupção generalizada no
futebol.Adoro os cartolas do esporte que exploram o futebol sem
piedade.Meu prazer é ver os engulhos de ódio de comentaristas diante da
cartolagem.Também sou um torcedor, enfim.Torço fervorosamente pelo fim
do futebol.

 

 Escrito por Adrilles Jorge às 19h07
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2004-09-18 20:04:00

       
  


O ódio e suas funções terapêuticas de auto ajuda ou por um mundo melhor e mais feliz

Tenho certos vícios estranhos e bizarros.Um deles é assistir a certos
programas de tv que detesto.Alguns trechos, claro, que meu estômago não
é de avestruz.Desta linha estética, o meu preferido hoje é o ‘’saia
justa’’, por reforçar todos os preconceitos que se tem contra as
mulheres:a verborragia vazia, a filosofia de almanaque e a vulgaridade
travestida de polêmica intelectual.Antes que alguma liga feminista me
processe, explico que as moças do programa em questão é que são exemplos
isolados(quer dizer, nem tão isolados) dos termos que citei.Longe
de mim querer generalizar sobre ‘’a essência feminina’’(aliás, isto sim
que é coisa de feminista).

Mas o que era mesmo?Ah, sim,o programa. Vendo a Fernanda Young
disparar mais uma série de besteiras e escatologias envoltas em pretensa
sofisticação, cheguei a uma conclusão filosófica:percebi que o ódio é
de importância vital para a constituição do caráter de uma pessoa.Tão
importante quanto a amor.Bem entendido , o ódio, não o mal.Não quero
fazer mal à srta. Young, mas isto não me impede de detestá-la, o que
considero salutar para a formação do meu caráter.Quem não ama, vive pela
metade.Quem não odeia , também.O amor incondicional é uma falácia, e
mais:o amor incondicional é patológico.Não há como não odiar a
mediocridade, o mau gosto, a leviandade, a desonestidade.Amar a
humanidade inteira com todos os seus erros incrustados dá indigestão.É
como querer copular com todas as pessoas que vc vê na sua frente.É
inumano e grotesco.

Evidente que é preciso certo método ao odiar.Fazer beicinho a uns e
outros por pura antipatia pessoal não pode.São precisas razões embasadas
para se odiar alguém.O exemplo da srta. Young é pertinente porque ela, a
meu ver, personifica a falsa sofisticação, o falso talento, a besteira
bem dita(às vezes, mau dita mesmo).Ela é mais nefasta que um João
Kleber, porque este se coloca claramente como um sujeito idiota e mau
caráter.Já a srta. Young tenta se mostrar como a vanguarda do pensamanto
moderno.Por isto a moça representa um perigo muito maior que um João
kleber ou um Otávio Mesquita.Por isto o meu ódio embasado e bem
intencionado.

Reparem:o ódio é didático, se analisado a fundo.Se você o disseca,
inexoravelmente vai aprender a origem de suas opções, de sua
orientação.O ódio o ajuda a se descobrir, e em se descobrindo, o ajuda a
combater aquilo que o enoja.Claro que certos princípios éticos
universais ajudam a ter em mente aquilo que se deve odiar e combater.Ou
seja, também é preciso certa cultura e certo discernimento para saber
odiar direito, para que o ódio seja didático e o ajude a melhorar o
mundo.

O ódio também é terapêutico, porque ele desafoga suas mágoas e
frustrações pessoais.Quando se odeia algo ou alguém com razão(critério,
sempre o critério), há uma sensação reconfortante de alívio moral,
porque você descobre suas virtudes ao mesmo tempo que se revolta
contra os vícios .Uma coisa depende da outra, entendem?

Portanto, odiemos bem, mas sempre com critério e sensibilidade na
escolha de nossos alvos, assim como fazemos na escolha de nossos amores.
E assim certamente contribuiremos na construção de um mundo melhor e
mais feliz.

 

 Escrito por Adrilles Jorge às 22h43
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2004-09-18 20:03:00

       
  

Ai, que preguiça!

Uma
pesquisa recente da ONU revelou que a maioria dos brasileiros(mais de
50%) trocariam tranquilamente a democracia por uma ditadura se esta
produzisse prosperidade econômica e social.

Não me espantou o
resultado.O povo brasileiro nunca deu bola para democracia ou
liberdade.É um ranço secular e incrustado nos brasileiros:a
dependência.O brasileiro comum não está acostumado a pensar por conta
própria, condição sine qua non da liberdade.É um eterno agregado.Por
mais livre que aparentemente tenha se tornado, o povo brasileiro
ainda cultiva um claro saudosismo do coronelismo, de uma relação
patriarcal e autoritária em que tudo lhes é dado.Não importa se este
”tudo” ainda seja pouco.O brasileiro médio é um preguiçoso.Tem
preguiça de pensar e portanto tem preguiça de ser livre.Prefere que lhe
passem a mão na cabeça e aguenta complacente os castigos que porventora
lhe afligirem, sem se preocupar com a causa da punição, se é que há
causa.

Uma contradição perene:preguiçoso que trabalha como um
burro de carga.Sua preguiça é de outra ordem, é uma preguiça
intelectual, espiritual até.Este fato por si já elimina a alcunha de
malandro que teria o brasileiro.O brasileiro é um preguiçoso néscio.A
antítese do macunaíma, personagem que constitui uma exceção e não uma
regra, com se pensa.

Disse povo.Bobagem.Não há povo no Brasil.Há
platéia.Brasileiros não têm consciência de povo.Se comportam como um
público bestificado que fica a mercê do melhor chamarisco, da melhor
propaganda.Tanto viciaram-se no próprio engano que até chegam a
gostar do engodo.Preferem que lhe digam o que fazer, como se comportar,
porque simplesmente pensam que é  mais fácil assim.E depois
usufruem da recompensa(?).Um imenso prostíbulo de venda de consciências.

E o que é pior, talvez tenham certa justificativa para se
comportarem assim.Foi a esquerda mesma que sempre rezou pela cartilha de
que o estado faz tudo, dando plena vazão a criação de um estado
autocrático,burocrático, corrupto, deformado.Ou seja, não temos povo e
ainda corremos o risco de anularmos o indivíduo, de esmagarmos a
iniciativa própria.O brasileiro fica assim eternamente à espera de que o
salvem, de que venha ”Godot” ou seja lá quem for que o redima, que
lhe dê conforto e proteção.É um eterno infante que não busca liberdade,
posto que esta lhe dá trabalho, mas que busca abrigo e colo.

Não
me interessa aqui fazer um estudo das origens deste estado de coisas.Já
passa da hora de ficar se lamentando pelo porque de sermos assim e
aprendermos a agir.Já passamos da puberdade, temos mais de 500
anos.Assim como a vida, a história é cheia de decepções, de injustiças.É
preciso ir em frente, ora.Não aguento mais ouvir justificativas para a
pusilanimidade do povo brasileiro que não protesta, que não se
manifesta, que não luta pelos seus direitos, e o que é pior, que se lixa
para ter liberdade ou não.Enquanto ficarmos esperando as ordens do
”nhônhô”, nunca sairemos do cativeiro.Eu sei, vivemos numa falsa
democracia, com liberdades limitadas pelo poder econômico e pela inépcia
de nossos governantes.Mas mesmo uma democracia rudimentar e precária é
melhor do que democracia nenhuma.Liberdade é o princípio básico para se
começar a fazer qualquer coisa.Isto deveria ser óbvio, mas o óbvio
parece ser obtuso para os nativos da terrinha.Preguiça de pensar, como
já disse.Preguiça de se libertar.

 

 

 Escrito por Adrilles Jorge às 19h23
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2004-09-18 19:58:00

       
  


A um artista em potencial

Um amigo avançou em minha direção com os olhos vidrados e
com um amplo sorriso estampado , me disse euforicamente: ‘Adrilles,
eu sou muito mais infeliz que você! Minha dor é muito mais profunda que
a sua!’ Eu sorri .Com um alegre entusiasmo destes, não poderia haver
infelicidade que lhe fizesse frente.

Este amigo, que tem certas inclinações artísticas, pensa que não
poderá realizar suas aspirações se não for uma pessoa sofrida e
amargurada, que a arte só nasce da dor.O trágico, para ele, é que ele
tem certa razão.E o mais trágico ainda é que –que ele não me ouça- ele é
uma das pessoas mais realizadas e felizes que já conheci.

Não existe arte sem dor, sem contradição, sem miséria humana.A grosso
modo, pode-se dizer que a arte nasce destes elementos.Pode parecer
masoquismo, e é mesmo.A estética de uma obra de arte é, na verdade,
a estética do masoquismo, do prazer catártico em contemplar o
sofrimento , a angústia humana.Claro que esta dor não vem sempre
refletida com as tintas carregadas de uma tragédia.A dor exposta pela
arte se apresenta sob várias formas: a ironia, o desepero, a
melancolia,o humor negro, a comédia, o sarcasmo, etc, etc.Todas
estas maneiras distintas de apresentar a perplexidade e incompreensão
humana diante da vida.Sim, o clichê é pesado, mas é a pura verdade(o que
é um clichê senão uma verdade repetida ad nauseum?)

Mesmo uma obra de arte que eventualmente celebre a vida não se
sustenta sem a presença de uma dor que perpassa a obra.Algumas telas de
Picasso, algumas sinfonias de Beethoven são exemplos viscerais neste
sentido.A arte sobrevive sem a felicidade, não sem o sofrimento.Arte sem
dor não é arte, é entretenimento.

Não há sexo sem dor, sem um elemento de
sado-masoquismo sempre presente.O ato sexual é por definição uma
violação, não?O mesmo ocorre com a arte:o prazer sádico do artista, o
‘’ativo ‘’ da relação que nos joga na cara o
sofrimento universal, e do contemplador, o ‘’passivo’’, o coitado(
na acepção literal da palavra), que somos nós, que recebemos, com mescla
de dor e prazer, a obra artística. Espectadores
artísticos,somos  tal qual  uma mulher complacente, ávida
pelo coito sadomasô que nos oferece uma obra de arte.

A rigor, acredito que há apenas três tipos de
sofrimento que eu respeito e julgo como tal:rejeição amorosa, pobreza
material e doença terminal.O resto é fricote.Meu amigo citado,
”infelizmente”,é endinheirado, vende saúde e se dá muito bem com
as mulheres.

Mas vejam só:Picasso era um homem aparentemente muito
feliz e realizado, o que não o impediu nunca de deixar de observar a
dor alheia(e a própria, claro) e transformá-la em arte.A
definição de ‘’antena da raça’’ cabe perfeitamente aqui.O exemplo é para
dar certo alento a este amigo meu, preocupado em ser infeliz para se
tornar grande artista.E se for mesmo necessário ser infeliz para fazer
arte, azar o da arte, ora.

 

 Escrito por Adrilles Jorge às 01h18
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2004-09-18 19:56:00

       
  


Pequenos monstros poliformes, como dizia Freud.

Sempre tive fascínio pela infância.Não no sentido comum do termo,
entenda-se.Não tenho enorme apreço por crianças e não sei lidar muito
bem com elas.O que tenho é inveja.

Explico:tenho saudades de um tempo não aproveitado, que não pôde ser
aproveitado, justamente porque não tínhamos consciência das delícias da
infância.O fascínio pela infância é, na verdade, uma saudade incontida
da amoralidade, de se saber livre de barreiras morais, sexuais e
éticas.É o desejo infelizmente contido de se tornar um amoral, o que
nunca consegui.Sou bom, entendem?Penso nos outros.Esta é minha tragédia.

Mas voltando ao ponto, reparem bem como toda criança é um desejo
materializado, em estado bruto e sem pudores.Reparem como , ao contrário
do que se diz, esta inocência não implica exatamente em candura, mas
sim no paraíso do egocentrismo sem culpas.Uma criança é um mundo em si.O
resto não passa de adjacência de sua própria personalidade, de seu
próprio reino.As crianças são doces ignorantes que ainda não aprenderam
que o outro não é um meio, mas um fim(que bom que elas ainda não leram
kant…).

Pois é.E daí vem a maturidade e o chato daquele filósofo vesgo
dizendo com razão. que ‘o inferno são os outros’.A infância é o paraíso
justamente no sentido de que o outro não passa de projeção dela mesma,
um meio de satisfação imediata.

Daí a contradição intrínseca do mandamento ‘amar ao próximo como a si
mesmo’.Todo o processo de educação implica em desaprender a se amar, a
partilhar o mundo(a descoberta;o mundo não é você), em destruir, em
estilhaçar o ego, que, pobre coitado, tem que se desdobrar em ids e
superegos para poder sublimar sua própria morte.Amar os outros como
sendo parte de si é muito mais agradável.A idéia de amor
como simples doação me parece desumana e cruel.Contra si mesmo,
claro.

Uma criança em estado adulto é  um psicopata, por
definição.Talvez o paraíso seja um lugar onde as psicoses sejam bem
vindas e permitidas, sem dano a ninguém.Um paraíso de egos e mundos
singulares, de autistas felizes.Aguardo ansiosamente por ele.

 

 Escrito por Adrilles Jorge às 13h32
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