O terrorista involuntário

O terrorista involuntário

Um homem não vê o terror
Que causa em uma formiga
quando prestes a esmagá -la
Uma pessoa
não sente o terror da dor
de quem a ama
ao ignorá -la .
Uma flor despetalada vive cega e sem dor
O terror de sua beleza arruinada
Um juiz ignorante
não entra no terror
Da prisão do inocente
que trancafia
na sua injustiça involuntária .
Um militante cego
não enxerga o terror
De sua ideologia
Que produz
Humanidade destroçada .
Uma mulher violentada
Uma criança massacrada
Enxergam o terror da indiferença
nos olhos cegos de quem se recusa
A ajudá -la .

O juiz

O juiz

A cada julgamento , você se sentencia .
Cada momento ou pessoa que escolhe
é um veredito provisório que se anuncia :
Uma vida que se abre e colhe
por uma semente que brota do teu juízo
precário intuitivo
apontado na sombra
do teu tato cego .
Mas tua escolha ruim ainda floresce
Por onde vc cultiva a flor torta
Por onde dentro da tua cegueira
Tua construção de amor Aparece .

A cada julgamento , você se sentencia .
Cada falha de perdão
cada sinceridade abusiva
Por onde vc não se conhece
Por onde da tua sombra
vc se abandona
a ponto de julgar o outro
Você se denuncia .
A cada julgamento você se sentencia .

Pequenos gestos te absolvem
Dos julgamentos prévios
onde você se penitencia:
Um sorriso gratuito
gesto de delicadeza
a carícia numa criança
ou num cão
que nada julgam
o que não seja o carinho
da mão do juiz
que agora silencia .

Teoria da interdependência 2

Teoria da interdependência 2

Tua liberdade depende do teu trabalho :
Teu patrão , teu presidente , teu juiz ,
teu estado , teu país dependem de você
para que construam um lugar melhor para
todos nós que dependemos uns dos outros

teu amor depende da aceitação
e do desejo de quem você ama ,
um país
depende do teu amor e do trabalho
que você presta a quem você ama
ao filho que você ama
à mulher que você ama
e por quem quer ser amado
à família em que você se cria
onde começa a trabalhar teu amor
ao país em que se cria

Depende da ação do seu presente
a inauguração da liberdade do teu futuro
do futuro do teu filho

Depende do seu ideal posto em prática
a ação da qual depende a tua liberdade
de escolher amar alguém , uma família
um país um mundo
que te tornam livre .

Depende da nossa construção
de nossa liberdade
a razão de viver
Depende de nós
que a vida nos mereça
enquanto vivos e lembrança
para quem viver além
e dentro de nós .

Como Ser bom

Você nasce um instinto , uma fome .
Tua fome te domina .
O seio da tua mãe , as mãos que te acariciam são teu reino.
Você se torna bom
ao dividir o reino da tua carência.
À primeira carícia ou seio negado
do teu reino quebrado , tens a primeira queda
para a tentação: devorar a fome do outro
que arruina teu império .
tu te tornas bom quando castras tua fome
em nome da fome de um outro
com quem compartilhas teu abandono e juntos se enroscam no mesmo cordão umbilical.

Ninguem nasce bom .
Ninguém é essencialmente bom
sem derrotar a tentação que abriga
dentro de sua fome negada
dentro de seu reino desmoronado.
Bom é aquele que reconhece a fome monstruosa
de devorar a fome de um irmão
e engole a seco sua primeira rejeição.
Bom é aquele que engole sua rejeição
que vomita seu desejo de vingança
contra o mundo que não o aleita .
Bom é quem , faminto , se sacia
vendo o irmão sugando o seio
que não é mais seu .

Para que serve o poder

Desde sempre tens o poder
Desde criança , aprendes o que podes .
Pelo choro , conquistas o leite materno .
Pelo sorriso , conquistas o afeto ,
te crias como brinquedo do amor dos adultos .
Cresce teu poder e aprendes
que poder é poder fazer algo por alguém:
o trabalho que fazes ,
uma pedra na casa de alguém
uma política pública para muitas casas
um palavra privada
que reconstrói a ruína de alguém .
Tudo está em teu poder
que agora tem o gosto
da seiva do leite materno
que sai do sorriso da tua doação .
Trai a natureza do poder
o leite que não devolve
a uma mãe que tem sede .
Teu único poder
é o sorriso de um outro
de quem sacias a fome .

Negação

eles confessam o que são
mas não há quem os ouça
Eles dizem : querem nos anular
destruir nossos valores
arrancar nossos filhos,
cortar nossas línguas
e decepar nossas almas .
Pelo medo ninguém esboça reação
pelo medo entregamos o que nos querem tirar
Por covardia alguém esboça a estratégia
de se fingir um deles ou dizer :
são nossos salvadores.
Por negação a caminho do fim
sorrimos aos olhos do carrasco .
Eles nos torturam mas calamos nossos corpos
Eles dizem o que são
eles nos fazem o que são
mas calamos nossos olhos
Tapamos nossas mãos
calamos o que somos
por negação só olhamos nossa sombra
que se nega à luz de nos sabermos
um povo capaz de se libertar
de uns poucos que nos impedem
de ver o sol acima de nós .

À sombra da justiça

Tudo parece perdido . Tudo parece morto . Uma toga negra sombreia a luz da realidade como a caverna de um homem só
que cega a todos pelo medo.
Nada se perdeu . Nada está morto.
Basta um olhar uma palavra um gesto
basta olhar para além da toga
e o real se descortina em esperança
para além da sombra torpe do juiz
que desvia as palavras certas
por ações turvas.
Basta outro homem dizer a palavra certa adequada ao seu sentido
Basta todos os homens
dizerem a palavra certa ajustada
a seu sentido
e a sombra da toga se rasga
e se desnudará o corpo da realidade
em forma de justiça e esperança.
Por ora vivemos na sombra da toga
apavorados pelo temor de um abrir de olhos
que rasgará a túnica do falso juiz
que julga a culpa como modelo
E corrompe a língua :
A liberdade morta pela falsa proteção
A proteção morta pelo limite da opinião
A coisa pública enaltecida
pelo interesse privado
O povo calado pelo juiz ventríloquo
que fala por todas as línguas cortadas.
Por medo
Jornalistas calam a justa palavra
Juristas calam a justiça
humoristas engolem a graça
mulheres sufocam o parto
que daria à luz nossa real liberdade .
Por ora não abrimos os olhos por medo da luz
que nos atravessaria
Clareando nossa covardia
Iluminando a açao
que nos ressuscitaria
melhores que nós mesmos .
Por ora estamos mortos
à beira de nossa ressurreição
ao alcance de nosso abrir de olhos.

Parto

Abandonado o ventre,
o filho começa a caminhar
o aborto cotidiano das perdas:
aprende a perder o conforto uterino
para se doar enquanto vida
e promessa de amor pleno,
porque justamente desarticulado,
infenso ao conceito amoroso,
que sufoca e confunde o amar.

Aprende o filho a expressão da fome:
do leite, do afeto, do toque.
Aprende a mãe a saciar a fome
de sua parte apartada.
Aprendem juntos, mãe e filho:
amor se aprende, se perde e se ganha
na separação dos que se amam.

Abandonado o filho
ao ventre de sua liberdade.
a mãe reconhece no feto adulto
a fome do amor que nunca se aparta:
o trabalho de parto que nunca se acaba.

Receita de fidelidade a quem te trai

Te traem teus amigos , te trai teu amor , te trai teu desejo , tua promessa. Teu desejo trai tua promessa que apunhala tua intenção. Como ser fiel a ti , que és sempre teu maior traidor ?

O que queres te trai , porque o que queres sempre se esvai: um corpo, um rosto , um objeto , um poder que te afasta sempre de ser querido por quem queres querer para além da posse que te despossui de ti mesmo .

Sê fiel a mais do que queres : sê fiel à liberdade de não querer nada e se entregar
à vontade de se doar no que puderes fazer de melhor a quem queres amar.

Mais : sê fiel a quem te trai, a quem rejeita e engana tua tentativa de amor, a quem escarra na tua doação .

Nenhuma traição faz frente a teu perdão que é fiel a teu traidor

Tua fidelidade a quem te trai se vinga da traição que se esvai no teu sangue que inunda a consciência de quem te apunhalou.

Tua fidelidade a quem te trai perdoa tuas promessas desabadas , tuas intenções enviesadas , teus desejos fabricados, perdoa tua traição a ti mesmo.

Pela frente , sê fiel e olhe nos olhos de quem por trás te apunhalou. Traia teu desejo de vingança e perdoe a indiferença , o abandono , o mal que te anulou . Esbofeteie com teu perdão o traidor que te matou.

Assim alguém ressuscitou.

Duas doses de sentido de vida

A vida vale a pena por pouco
Um pouco de muito : duas tacças de vinho que que incitam hormônios da alegria e do esquecimento da falta de sentido ; ou duas orações que criam um Deus à imagem e semelhança da bondade perfeita que mora em teu coração ; ou um frango com polenta que supre o vazio e troca o coração que bate pelo estômago que ronca por viver sem pedir sentido ; ou dois sorrisos de um filho que perpetua tua espécie e alegra tua continua falta de sentido ou dois orgasmos com quem você ama ou quer amar pra se sentir vivo – dois orgasmos que por um segundo te enchem de prazer que esgotado te joga no sono do desinteresse pela falta de sentido que deixa de fazer falta . Até mesmo uma ou duas doenças , uma ou duas tragédias te fazem sentir vivo pela falta que a vida fará pela ausência de sentido que faz a morte . Uma ou outra doença – alguma paixão cega , alguma crença em algo alguém que fatalmente te decepcionará – te cura de uma saúde estéril como crer que o sentido de vida é seguir vivo . Não há , pois , vida que não adoeça em seu esplendor fabricado nem há morte que não floresça em seu nada estratificado . Siga vivo , pois . Abrace a vida em suas duas doses de sentido , embriagado

Um ou dois doses de sentidos de vida