Nós os crentes

Nós os crentes

Vc crê no mesmo que eu creio :
Na dúvida consciente
Na possibilidade de um Deus
que espelhe a potência de bondade
que reside em você .

Você crê que bilhões de galáxias
não surgiram do nada.
Você cria um
sentido palpável
de uma criação divina e generosa
de um deus que se cria
à imagem e semelhança do teu esforço
em ser bom
que nunca chega à perfeição
da bondade que você se cria
e ultrapassa sua mediocridade

Você crê
na possibilidade da recompensa de um bem
que se satisfaça por sua ação mesma .
Você crê na possibilidade de um céu
aqui mesmo na terra espelhado
nos olhos do teu filho
No amor doado mesmo não retribuído
por quem crucifica tua doação

Você crê na realização de um ato de bondade
esmagado que seja pela realidade
mas que supera toda felicidade
pela dor mesma que sustente
o peso de estar vivo e não se saber por que

Você crê num amor
que sustente toda pergunta sem resposta
pelo peso de sua divina criação

Você crê na castração da tua vontade
que sacia a humilhação
do desejo que te invade
que sem saber por onde
castra tua humanidade

Você crê na tua cegueira
que à reboque da luz que te invade
não permite que veja
uma incompleta realidade

Você crê na tua vontade de crer em algo
que sustente o nada que não existe em você
Você não crê no nada que não reside
em lugar algum onde você não esteja
Você crê em todos os lugares onde não esteja
que não enxerga de todo
mas sabe que estão lá
Você crê nos amores que não viveu
e não enxerga de todo
mas sabe que estão lá
Você não crê no nada que não existe
que não habita lugar nenhum nem ninguém nem no Deus
que você pode criar pelo teu amor
Você crê
em Você e em quem você tenta amar
pra construir a tua crença .

Mãos e pedras

Cada pedra , uma queda no caminho
Cada queda , uma mão que desce
e te ergue um destino
Cada destino , um desvio
que lapida o caminho rumo à mão
onde estendes a outro caído
a lição da pedra.
No caminho, olhamos em frente
Na queda , olhamos ao céu
e nos olhos de quem nos dá a mão .
Nos olhos de quem levantamos
Olhamos o céu espelhado
No caminho que trilhamos
um no outro
Caminhamos
sobre as mãos que nos levam ao céu

O virtuoso enrustido

Sinto que Será em breve a sutil vingança
dos que me rejeitaram,
Dos que não me viram
Dos que não me tocaram
dos que não vislumbraram
o grande homem em gestação
que ainda não me tornei
Sinto que Será em breve a discreta vingança
dos que não me amaram
pelo amor em potência
que ainda não derramei
pelos que tentei amar
e não me notaram
Sinto que será em breve
a construção do homem virtuoso
Cheio de méritos
que hei de me tornar
capaz de saborear a vingança
em silêncio elegante
sobre os que não enxergam ainda
a virtude que ainda me há de brotar .
Enquanto a vingança não vem ,
Me perdoo pela virtude que não me brota
Me perdoo por não saber agir
Na situação que não compreendo
Me perdoo por não querer compreender nada
que não seja minha dor e desejo de vingança
Me perdoo por
ainda não saber perdoar
quem ainda não vê
o grande homem
que ainda não me tornei
que ainda hei de torn

Poema para o homem indiferente

Se te calam é porque tens algo a dizer
Se te traem é porque teu perdão beija
a boca dos que costuram tua língua
Se te calam e te traem porque te odeiam
suturas teu carinho
na carne lacerada do carrasco
que te silencia.
A quem silencia uma ajuda
estendes a mão de misericórdia
onde tocas a miséria do nada
que te oferece a indiferença
daquele que um dia te chamou de irmão .
Pregas no vazio sobre a chaga
da indiferença com que te crucificam
enquanto torturas de vergonha
o vazio do homem indiferente
que baixa os olhos
ao ver o rosto
de sua filha .

O jovem eterno

O jovem eterno

É preciso a revolução . O país está um caos . Ou talvez seja preciso criar um caos no país onde o teu cotidiano não esteja suficientemente revolucionário. a fim de que uma revolução revolva teu tédio, é preciso revolucionar . É preciso expurgar os demônios do teu ressentimento. Preciso criar demônios pra que não veja seu lado demoníaco. É preciso acusar o golpe futuro pra que não se veja o corpo golpeado , os olhos cegados por aqueles a quem entrega suas mãos . É preciso apagar as luzes da história para se juntar às sombras e revolucionar o que não se enxerga. É preciso dar as mãos a outros cegos nas sombras onde a solidariedade revoluciona os afetos na comunhão da ignorância.

Talvez nem seja preciso, meu caro jovem eterno aprender a dar o nó nos sapatos . Nem seja Preciso aprender andar com os próprios pés. Te enforcas- com os nós que não aprendeu , com os fios brancos dos teus cabelos – no teu sonho revolucionário onde teus pés caminham o teu ideal que paira acima do teu carrasco .

É preciso acordar do sonho que te esmaga e a tantos em teu redor , jovem idealista . É preciso saber envelhecer , a fim de não morrer em eterna juventude paralisada .

O ditador , a gaiola e o passarinho

A gaiola e o passarinho

Tua boca diz liberdade
enquanto mordes a língua
do teu dócil escravo
calando com um beijo
a sua voz
com amorosa responsabilidade

Tua palavra promete igualdade
enquanto arrancas os olhos
de todos os iguais a fim de tecer
um colar de pérolas para tua vaidade

Tua fraternidade marca a ferro quente
teu pensamento na carne
de quem batizas teu irmão
como criança adulta que acaricias
no cercadinho da prisão

Teu amor se enrosca
como corda no pescoço
quase enforcando com carinho
aquele que insiste
em lhe virar o rosto
enquanto grão a grão
o alimenta em teu ninho

Há um cativo passarinho
que escapa
do teu eterno ninho
o que cisma em querer crescer
que sai da tua gaiola
sem saber voar
e se esboroa no ar
para poder livre pela primeira vez
no céu poder morrer

Para veres o real

Para veres o real é preciso saber enxergar
a escuridão dos caminhos que não percorreste – e negas –
em nome do fiapo de luz
que é teu único ponto de vista.

Teu ponto de vista caminha sobre teus tropeços onde pisas nos corpos que deixas de enxergar.

Para sentires a luz
é preciso que dês a mão
a um outro acima , abaixo de ti
onde ambos possam tocar a realidade caminhando sobre o corpo um do outro
tateando a treva que abriga teus caminhos

Para veres a luz é preciso enxergar a mão
que percorre e constrói teu caminho.

Não há descanso

não há descanso para o que vive. Não há descanso para o que deseja . Um coração bate do peito de quem dorme. Um sonho vive na consciência de quem o mata . Correndo a algum canto , algum sentido , me distraio na fuga da sombra do que não me deixa : um sorriso abandonado , um aceno negado , palavra enviesada , pedaço de alguém em mim enxertado. Me movimento para não pensar no nada que não existe.

Descanso a mágoa em outra dor , descanso as mãos do toque que não veio escrevendo este poema que toca na trágica dor que não houve . Nada porém descansa a espera esperançosa de ultrapassar a fome que nunca se esgota em sua saciedade . Tenho fome e há comida . Tenho desejo – há sexo . Tenho olhos – há o que ver. Mas não há céu suficiente que esgote minha visão . Não há visão suficiente que veja cada elemento infinito do céu que não mata a fome do meu desejo de infinito .

Não há descanso para a esperança sempre morta em uma vontade satisfeita. Todo desejo encontra sua morte- No consumo do outro . Ou no sacrifício da vontade – que se debruça em se matar pelo outro . Só o suicídio da vontade nos descansa – matando a fome na boca do outro que sacia sua vontade de céu .

Escolha

Habitas em todos os lugares do que podia ter sido . Em cada escolha , um bilhão de possibilidades assassinadas . Cada gesto , um bilhão de ações enterradas . Cada sono , um rastro de sonhos vivos derramados no chão da inconsciência .

Não há paz no que se sabe vivo . Um animal vive o eterno de um momento que morre . Um humano vive um momento que jamais se esgota : no afeto a um morto que teima em ressuscitar na memória do gesto acontecido , na reconstrução do gesto jamais concebido . Um momento da morte mesma de todos os afetos jamais conhecidos.

Teu olhar nunca é do tamanho do que vês e sabes que deixas de enxergar .

Habitas em todos os tempos que quase se passaram ao largo de ti , dentro de ti . Na rua , As pessoas por quem atravessas te dão acenos por onde te dispersas , pelas vidas que perdeste em cada palavra não dada, em cada olhar desperdiçado por onde poderias ter te abismado.

Todo momento não vivido , todo algo ou alguém não acontecido é morte . Deus não escolhe teu acaso . Tu és o Deus precário de tuas decisões que abandonam o infinito de tantas outras .Te agarras ao que aparece , mas o que aparece é fruto da tua escolha assassina de um infinito de possibilidades .

Assassino de oportunidades , aprende a amar o acaso que te escolhe , aprende a amar tua escolha débil e ignorante do infinito que sabes maior que tua escolha . Aprende a amar e fazer infinita tua escolha débil – por alguém , por algo – mergulhando no abismo do teu erro mais acertado. Trabalhe por sobre a debilidade da tua escolha cega para dar luz ao que abandonaste no vasto caminho que não percorreste:
Molde o trabalho débil e mal escolhido que abracaste , molde a pessoa errada que escolheste a fim de que se tornem escolhas melhores pelas frágeis mãos com que os envolvestes . Faça da tua escolha débil um caminho Para iluminar a cegueira de tantos outros.

Só assim terás a paz dos que moldam sua ignorância na virtude de fazer o bem ao que aparece. Não há outra escolha .

Injusto

A injustiça escorre entre os teus dedos. O justo não cabe na tua mão .

Nada cabe no espaço onde nada se ajusta no tempo da vontade da tua justiça que não cabe no espaço do teu desejo .

O rosto de quem amas se converte na face do carrasco que deploras pelo injusto olhar do amante que não te adora .

Não é exatamente justa a esmola que ofereces ao perdão que te doas como oferta à injustiça humana. Não cabe a tua esmola em nenhum espaço Que não se ajusta à miséria que te cerca. Tua misericórdia oprima toda ínfima justiça.

Não cabe a morte de quem amas no tempo da memória que se eterniza na chaga que não tocas e não te abandona .

Não cabe o amor que ressuscita em outro que toma lugar de um amor assassinado por teu esquecimento voluntário.

Não é justo o esquecimento cotidiano da tua omissão diária contra tudo o que poderias lutar e te oprime pelo sono onde sonhas com tua ação redentora que nunca desperta.

Não é justo o riso do que te vence pela injustiça que não cabe no mérito que não te pertence .Não é justo o valor do demérito com que te compram . Não é justo teu ressentimento pelo mundo que não cabe em uma vida melhor , que não cabe em tua vida melhor .

A justiça não cabe na tua mão não cabe no sorriso da criança que engole o mundo que inocente se ajusta em sua terna vontade .

Injusta é a boca da criança que se alarga no sorriso inocente que devora tua fome de justiça.